O que o acidente da Alaska Airlines nos ensina sobre negacionismo e racismo
Para alguns, é mais fácil questionar a diversidade do que aceitar que uma empresa confiável possa estar sacrificando a segurança em prol do lucro
No início de janeiro, o voo 1282 da Alaska Airlines, que era para ser mais uma viagem de rotina tranquila entre as cidades de Portland e Ontário, na Califórnia, deu uma guinada assustadora minutos depois de decolar.
Uma das portas do avião, um Boeing 737 Max 9, se abriu a 16 mil pés de altura, o equivalente a quase cinco mil metros. Os pilotos realizaram um pouso de emergência e ninguém ficou gravemente ferido.
Nos dias que se seguiram, a Administração Federal de Aviação dos EUA (FAA, na sigla em inglês) suspendeu os voos dos modelos Max 9 para inspeções de segurança, revelando mais parafusos soltos nas portas de outros aviões operados pela Alaska e pela United Airlines.
Pouco depois, a FAA anunciou uma auditoria na linha de produção e nos fornecedores da Boeing. Desde então, as ações da empresa caíram cerca de 19% – o que, dada a natureza do evento, é uma queda modesta.
Enquanto tudo isso acontecia, a extrema direita foi para as redes sociais apontar o dedo para o único vilão que conhecem, argumentando que a Boeing, por ter incorporado diversidade, equidade e inclusão (DEI) em seu plano de negócios, havia deixado de se preocupar com o controle de qualidade.
Esta teoria bizarra ganhou força depois que Elon Musk se manifestou sobre o assunto. “Você quer voar em um avião em que priorizaram diversidade, equidade e inclusão em vez da sua segurança?”, escreveu ele no X/ Twitter.
Outros seguidores verificados de Musk, com diplomas em engenharia aeroespacial da Universidade da Wikipédia, rapidamente alertaram que, sem intervenção da alta administração, a composição demográfica das equipes de engenharia da empresa certamente resultaria em acidentes fatais e mortes em massa.
Mas a explicação mais plausível para o incidente é mais simples e nada racista: os aviões estão entre os muitos produtos e serviços que, devido à ganância e incompetência, estão se tornando cada vez piores.
MUDANÇA DE PRIORIDADES
A Boeing começou como uma empresa preocupada com os trabalhadores e liderada por engenheiros que construíam aviões verdadeiramente revolucionários. O ethos dessa época seguia o lema “vá em frente e ignore as despesas – mas não a qualidade”.
Hoje, essa versão da empresa não existe mais, graças a uma sequência de movimentos, fusões e reestruturações para cortar custos, reduzir o poder dos sindicatos e maximizar os lucros dos acionistas.
Como Bill Saporito escreveu recentemente no “The New York Times”, “o que se perdeu em toda essa reorganização foi uma cultura corporativa que antes valorizava engenharia e segurança e que foi substituída por uma que parece estar mais focada em obter lucro.”
os aviões estão entre os muitos produtos e serviços que, devido à ganância e incompetência, estão se tornando cada vez piores.
A decisão de mudar os rumos da Boeing teve consequências. Há cinco anos, por exemplo, as autoridades suspenderam os voos dos aviões 737 Max após dois acidentes fatais que mataram 346 pessoas, o que custou à empresa dezenas bilhões de dólares.
Os detalhes sobre o acidente do voo Alaska 1282 ainda estão sendo revelados, mas alguns informantes afirmam que o mecanismo de segurança da porta foi instalado incorretamente por mecânicos da Boeing – e, devido a uma série de erros nos protocolos de segurança, não foi submetido à inspeção.
A empresa informou que não pode comentar sobre o incidente devido à investigação em curso do Conselho Nacional de Segurança nos Transportes.
NEGACIONISMO E RACISMO
No dia 26 de janeiro, a Boeing anunciou que as companhias aéreas estavam retomando os voos dos 737 Max e prometeu reconquistar a confiança de clientes, passageiros e reguladores.
Mas tudo isso levanta uma questão óbvia, que ficará na cabeça de todo viajante: se as empresas parecem estar dispostas a arriscar a vida de clientes, que outros riscos calculados estão se dispondo a correr que simplesmente não foram descobertos ainda?
Para alguns poucos que estão (compreensivelmente) assustados com o que aconteceu no Alaska 1282, é mais fácil questionar a presença de pessoas negras na linha de montagem do que aceitar que uma marca outrora confiável possa estar sacrificando a segurança em prol de lucros.
Mas há uma lição amarga nisso tudo para aqueles que (com razão) se importam com a diversidade, seja no ambiente de trabalho ou em qualquer outro lugar: já que os intolerantes sempre arranjarão motivos para destilar seus preconceitos, não há por que perder tempo tentando convencê-los de que estão errados.
Em outras palavras, o movimento anti-diversidade não propõe um debate honesto, ele apenas quer que todos cedam ao seu pensamento medieval. O melhor que temos a fazer é ignorá-los.