Por que não existem migrantes nem refugiados do clima

Quando usamos os impactos das mudanças climáticas para explicar a migração, contamos apenas metade da história

Crédito: rawpixel.com/ Pixabay

W. Andrew Baldwin 5 minutos de leitura

A lógica nos leva a crer que, conforme a mudança climática for se intensificando, mais ela resultará em migração e deslocamento humanos. Imagens de bengaleses buscando refúgio do último ciclone ou de californianos fugindo de incêndios florestais nos subúrbios do estado confirmam a sensação de que são as mudanças climáticas que vão impulsionar a próxima grande migração. E, no entanto, o grande paradoxo da migração climática é que não se deve abusar de expressões como “migrantes climáticos” ou “refugiados do clima”.

Essas são categorias socialmente construídas. Pode até parecer que elas refletem o mundo como ele é, mas, quando retiramos o verniz, encontramos um mundo de interesses e de poder. Identificar esse jogo é uma questão urgente para qualquer pessoa preocupada com a política da mudança climática.

A questão principal é a própria mudança climática. Quando seus impactos, como temperaturas extremas ou incêndios florestais, são usados ​​para explicar fenômenos sociopolíticos como a migração, eles obscurecem as condições históricas daqueles que são afetados.

Tomemos, por exemplo, a costa de Bangladesh. Durante décadas, a carcinicultura e, mais recentemente, a criação de caranguejos de casca mole transformaram radicalmente a região. Promovidas por instituições como o Banco Mundial, essas são formas de desenvolvimento econômico que renderam a Bangladesh moeda estrangeira muito necessária. Mas elas também devastaram o meio ambiente costeiro, desapropriaram pequenos proprietários de terras locais e forçaram gerações de moradores rurais a formas precárias de trabalho assalariado.

Pessoas de países mais ricos podem exigir que seus governos façam mais para garantir “justiça climática” em lugares como Bangladesh. Mas quando dizemos que a migração rural-urbana em Bangladesh se deve às mudanças climáticas, diminuímos a importância desses aspectos históricos. 

É por isso que devemos ser extremamente cautelosos com o uso de categorias como “migrante climático” e “refugiado climático”, que são projetadas para desviar nossa atenção de explicações históricas. Quando o Banco Mundial afirma que 143 milhões de pessoas devem se tornar “migrantes climáticos internos” até 2050, sobra pouco espaço para relatos históricos mais sutis de migração.

O Banco Mundial quer que acreditemos que a mudança climática é a ameaça mais premente enfrentada pelas pessoas mais pobres do mundo e que esse fator forçará milhões a deixar suas casas. No entanto, ao promover essa crença, o Banco Mundial mascara como suas políticas tornaram precárias as vidas das mesmas pessoas que agora afirma estar ajudando.

MUITO ALÉM DA MUDANÇA CLIMÁTICA

Pegue um exemplo diferente: o do subúrbio da Califórnia. Não há como negar que as mudanças climáticas explicam o aumento da frequência de incêndios florestais nos subúrbios do estado. Também não se pode negar que muitos proprietários da Califórnia estão vendendo e se mudando para lugares mais frios.

Mas quando explicamos os incêndios florestais e a migração resultante apenas em termos de mudança climática – quando rotulamos essa “migração climática” – contamos apenas metade da história. Tão importante quanto é a história da casa própria no estado.

O fato desconfortável é que, por mais normalizada que pareça agora, a paisagem suburbana da Califórnia é o culminar da história do colonialismo, da fuga dos brancos dos centros das cidades, das leis frouxas de planejamento frouxas e de uma cultura automobilística dominante.

É também o resultado de um modelo econômico em que se espera que os proprietários custeiem as despesas com velhice, educação e saúde vendendo a casa da família. Não é de admirar que as pessoas estejam liquidando seu único ativo e saindo do caminho do perigo.

Dizer que essa migração acontece simplesmente por causa da mudança climática obscurece o fato de que são as famílias suburbanas brancas que tendem a acumular riqueza suficiente ao longo das gerações para se afastar de perigos como inundações e incêndios.

Isso se torna ainda mais evidente quando consideramos como as mesmas escolhas não estavam disponíveis para os negros que fugiram de Nova Orleans após o furacão Katrina, em 2005. Como este exemplo ilustra, quando resultados sociais como a migração são explicados em termos de mudança climática, somos convidados a desmembrar a história do racismo na América.

O “OUTRO” DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Em sua obra clássica Orientalismo, o falecido estudioso literário Edward Said desenvolveu seu conceito de “o outro”. O ponto central da tese de Said é que a Europa negou a este outro sua própria história. Ele procurou mostrar como gerações de escritores, artistas, estadistas e conquistadores europeus imaginaram o “outro” da Europa vivendo em um reino fora da história.

O orientalismo era, para Said, não uma forma de conhecimento que simplesmente documentava a realidade da vida no Oriente. Era, em vez disso, uma extensão do poder imperial europeu em que se dizia que os não-europeus faziam parte da natureza. Essa visão permitiu que a Europa acreditasse que tinha o dever moral de intervir na vida do outro, de “modernizá-lo”, trazendo-o para as dobras da história.

Podemos dizer o mesmo hoje sobre a figura do migrante ou refugiado climático – o que chamei de “o outro da mudança climática”.

As circunstâncias que enfrentamos hoje com as mudanças climáticas são, obviamente, dramaticamente diferentes daquelas que prevaleceram durante o século XIX. Ainda assim, construções como “migrante climático” e “refugiado climático” são análogas ao poder que foi o foco das críticas de Said. Essas categorias são usadas para definir um grande número de pessoas, incluindo milhões dos mais pobres do mundo, em termos de clima, em oposição à história. Eles tornam a história dos lugares secundária às mudanças climáticas e, ao fazê-lo, minam o direito que as pessoas têm de se representar em seus próprios termos.

O poder que estou descrevendo não é universal na forma, nem serve a um conjunto singular de interesses. Bangladesh e Califórnia não são equivalentes. No entanto, em ambos os casos, quando a mudança climática é usada para explicar fenômenos sociopolíticos como a migração, a desigualdade social é naturalizada.

Quando vemos categorias como “migrantes climáticos” e “refugiados climáticos” sendo usadas hoje, devemos tratá-las não como descritoras inocentes da realidade. Elas devem alertar-nos para a presença de uma potência insidiosa de origem europeia. Em vez de aceitar esses termos sem questioná-los, podemos nos perguntar: a quem essa ideia de “refugiados climáticos” realmente serve?


SOBRE O AUTOR

W. Andrew Baldwin é professor associado de geografia humana na Universidade de Durham. saiba mais