5 perguntas para Samantha Almeida, presidente de júri no Cannes Lions 2023
Uma das principais lideranças femininas do país, Samantha Almeida é a única brasileira presidente de Júri no Cannes Lions 2023. A atual diretora de diversidade e inovação de conteúdo dos Estúdios Globo vai liderar os jurados na categoria Social & Influencer Lions.
Este é o segundo Cannes Lions da executiva, que já foi diretora do Twitter Next Brasil e da Ogilvy. Em 2021, Samantha foi jurada da categoria Entertainment Lions. À frente da categoria Social & Influencer, ela terá voz para premiar projetos que têm forte impacto na sociedade.
Para a executiva, o mercado de criatividade é lugar de responsabilidade social, diversidade, inovação e compromisso. Em entrevista à Fast Company Brasil, Samantha fala sobre as suas expectativas sobre o festival e como se preparou para presidir o júri.
FC Brasil – O Cannes Lions completa 70 anos. O que o festival deve fazer para se manter relevante e conectado?
Samantha Almeida – Para um festival considerado o maior em criatividade manter-se relevante e conectado com o atual contexto do mundo, é urgente adaptar-se às mudanças da sociedade impactada pelo setor criativo.
A cultura é fator determinante para a forma como as pessoas percebem e se relacionam com as marcas e as campanhas publicitárias.
Ele precisa acompanhar as mudanças das formas de expressão criativa. Incluir a criatividade que nasce e é alimentada por perspectivas diversas, se esforçar para garantir uma representação equilibrada de vozes e histórias de diferentes origens, culturas, gêneros, etnias e habilidades.
Criatividade é uma ferramenta poderosa para abordar desafios comuns a todos nós em diversas partes do mundo.
Nos últimos anos, tem havido uma tendência crescente de campanhas que promovem a diversidade, a inclusão e a justiça social, abordando questões estruturais na sociedade global. Entendo e valorizo demais isso, afinal, fiz e faço parte desse movimento. Porém, o quanto essas campanhas são eficientes no progresso das comunidades que buscam representar?
FC Brasil – Como presidente do júri na categoria Social & Influencer, quais acha que são os critérios para avaliar inovação e criatividade?
Samantha Almeida – Para mim, os principais são relevância e contexto cultural. A cultura é fator determinante para a forma como as pessoas percebem e se relacionam com as marcas e as campanhas publicitárias.
O contexto cultural é definitivo para Social & Influencer, uma vez que as campanhas que concorrem nessa categoria são frequentemente desenvolvidas para abordar questões locais e sociais específicas.
É fundamental que nós, jurados – pessoas de diversas partes do mundo, com repertórios muitas vezes completamente diferentes do projeto que estamos analisando –, sejamos capazes de engajar com a perspectiva apresentada, sentir o impacto de uma ação criativa a partir do projeto, da campanha apresentada, mesmo sem nunca termos tido contato com o público-alvo, a cultura ou o local representado.
Por exemplo, uma campanha que aborda questões de classe, raça ou gênero em um país específico deve levar em conta fatores históricos, sociais e culturais relacionados a essas questões nesse país. Senão, pode acabar ofendendo ou alienando a audiência em escala global se for premiada pelo maior festival de criatividade do mundo.
Cultura é também a forma como as campanhas são recebidas pelo público. Uma campanha que é bem recebida em um país ou região por atender uma agenda local pode não ter o mesmo impacto em outro contexto.
Esse critério é uma provocação para os projetos inscritos, mas também para nós, os jurados criativos, que precisam se colocar disponíveis para um impacto diferente – às vezes até contraditório do seu referencial, país ou sociedade.
nunca foi tão urgente reconhecer que a criatividade é um processo humano intrínseco e que as tecnologias são apenas ferramentas potencializadoras da expressão criativa.
Por isso, a compreensão do contexto cultural é fundamental para o desenvolvimento de campanhas eficazes nessa categoria. Elas devem ser cuidadosamente avaliadas, levando em consideração as normas e expectativas específicas de cada contexto.
Não podemos esquecer que o que premiamos servirá como referencial de criatividade ao redor do mundo, e essa é uma imensa responsabilidade.
Para além do contexto cultural, outro critério é provocar de forma inovadora, surpreendente e memorável. Além disso, tem a qualidade da execução do trabalho, que não significa grandes tecnologias ou recursos, mas soluções. A campanha deve ser atraente, ter uma narrativa envolvente.
É importante que ela tenha uma estratégia definida: com quem estou falando e por que estou falando. Capacidade de mobilização, de gerar engajamento e interação – que não significa apenas likes e views. Esse é outro critério importante.
FC Brasil – Como recebeu o convite para ser presidente de júri e como avalia essa oportunidade?
Samantha Almeida – Recebi o convite em outubro do ano passado e desde então tenho pensado com ainda mais profundidade sobre o papel da criatividade, globalmente falando, nesse momento do mundo.
Não podemos esquecer que o que premiamos servirá como referencial de criatividade ao redor do mundo.
Junto veio a clareza do tamanho da oportunidade de ampliar e aprofundar o debate sobre digital, social e influência, considerando todos os dilemas que se apresentam nesse território. No mais, respirando fundo, tentando dormir oito horas e fazendo terapia (rs).
A presidência de um júri do Cannes Lions chegou na fase mais interessante, porém intensa, da minha carreira. O mais importante, para mim, é que o julgamento dessa categoria seja justo e referência de um pensamento para criativos globais. Construir critérios de julgamento claros é a base para avaliar as campanhas com objetividade e consistência.
A equipe de jurados é maravilhosa, qualificada, diversa e experiente. Ou seja, estou cercada de gente preparada e disposta a ouvir diferentes perspectivas, com habilidades complementares, garantindo uma avaliação equilibrada a partir da colaboração.
FC Brasil – O que esperar do Cannes Lions 2023?
Samantha Almeida – No que diz respeito às expectativas ou tendências que devem aparecer, é difícil fazer previsões precisas e confesso que “tendência” me parece uma palavra desalinhada do nosso tempo. Somos um mercado tão dinâmico e sujeito a mudanças que toda vez que dizemos que algo será tendência, já passou antes mesmo de fazermos uma reflexão aprofundada sobre ela.
Pelos últimos eventos como South by Southwest, Websummit e pelos apontamentos do Future Today Institute’s, da futurista Amy Webb, devemos ver projetos que reflitam as mudanças culturais, sociais e tecnológicas que estão ocorrendo em todo o mundo de forma hiperveloz. Mas o que mais me interessa é: sob qual ótica?
FC Brasil – E o que esperar do futuro do mercado criativo?
Samantha Almeida – Meu pensamento tem oscilado entre responsabilidade e compromisso. Sobre com o que estamos realmente comprometidos, tanto como empregadores quanto como modeladores do imaginário, e quais responsabilidades estamos dispostos a assumir para realizar esses compromissos.
Nos últimos anos, tem havido uma tendência crescente de campanhas que promovem a diversidade, a inclusão e a justiça social.
A internet – e as plataformas digitais, em particular – conectando pessoas de diferentes partes do mundo e grupos sociais permitindo que compartilhemos ideias, projetos e colaborações de maneira instantânea, desempenhou papel crucial na democratização da criatividade. Mas também trouxe desafios estruturantes que, ironicamente, ameaçam a malha democrática.
Se, por um lado, avançamos tecnologicamente, por outro nunca foi tão urgente reconhecer que a criatividade é um processo humano intrínseco e que as tecnologias são, ou deveriam ser, apenas ferramentas potencializadoras da expressão criativa, onde o elemento fundamental é a imaginação e a originalidade dos indivíduos.
Mas, para mim, uma questão se impõe: com tantas ferramentas e softwares avançados, programas de edição de vídeo, modelagem 3D, uso de tecnologias emergentes como inteligência artificial, realidade virtual e realidade aumentada inseridas na vida de todos nós de forma quase não identificável, será que ainda estamos aptos a identificar o que é originalmente humano?
Cannes não consegue fugir desses mesmos dilemas. Na verdade, diferentemente de outros festivais, quando ele apresenta seus premiados faz como que uma fotografia do seu tempo, do agora. Documenta os desejos, interesses e perspectivas de uma classe muito específica, que entusiasma. Mas também evidencia recortes, brechas deixadas por essa mesma classe.
Confira cobertura Cannes Lions 2023!