A conversa começou na favela

Olhar dentro de espaços culturais da periferia é encontrar ideias já construídas, amparadas em valores e vivências que unem uma comunidade

Crédito: Fast Company Brasil

Roberta Camargo 3 minutos de leitura

O potencial humano e as realizações que só nós podemos pôr em prática: esse foi o meu maior aprendizado acompanhando o Festival de Cannes 2023. Atenta ao que é pauta em outros grandes encontros de criatividade, a organização do evento não deixou de fora as conversas sobre tecnologia e inteligência artificial, por exemplo, mas trouxe prática para conversas de longa data.

O período da manhã no Brasil, na periferia que sempre se levanta antes do sol para fazer a engrenagem girar, foi marcado também por conversas que aconteciam em Cannes e ecoavam pela tela do meu computador.

“Encontre pessoas que veem o mundo como você vê”, disse o líder de estratégia da Wieden+Kennedy, Marcus Collins, no painel The new shape of popular culture (O novo formato da cultura popular). Além de explicar e tornar tátil o que vivemos no cotidiano dentro da periferia, ele pontuou a potência que isso é.

A identificação gera conexões poderosas que estimulam reflexões sobre nosso contexto, nosso consumo, nossas ideias e nós mesmos.

O assunto do momento dura cinco segundos até que, dentro do movimento constante em busca de tendências que ditam nosso consumo e estilo de vida, chegamos ao próximo tópico.

Em uma linha pouco linear, a base sempre se mantém a mesma e é fortalecida através das subculturas: aquele espaço de rap na rua de casa, a comunidade de samba, a loja do bairro que sempre contemplou as mais velhas e mais novas, o sarau. São tendências que duram, porque ali permanece uma comunidade que se conecta genuinamente.

“Nós nos movemos por causa das pessoas, não por causa da mídia”, era a frase de Marcus que enchia o telão. De fato, subculturas se mantêm e são valiosas, porque antes de qualquer trend (coisa que a gente nem falava há quatro anos), são resultado da conexão de uma comunidade que se identifica e compartilha valores, sonhos e dores.

MÚSICA E HUMOR

Relembrando o começo deste artigo, estamos falando sobre uma conversa que já aconteceu e que hoje gera frutos. Olhar ao nosso redor dentro de espaços culturais da periferia, por exemplo, é encontrar ideias já construídas, amparadas em valores e vivências que unem uma comunidade.

Nesse mesmo sentido, a poeta Amanda Gorman disse, em um painel sobre beleza e comunidades, que “fazer uma parceria com uma marca é como cantar uma música junto. Depende da confiança e dos valores que compartilhamos”.

Ela contou que suas histórias preferidas sobre o impacto que uma história (um post feed) ou uma conversa (aquele combo de três stories) sempre são de pessoas próximas, como familiares e amigos, que também são parte de sua comunidade.

“Nenhuma métrica consegue apontar o impacto do que está sendo dito na história de alguém”, ressaltou a poeta, que dividia o palco com Jane Lauder e Anna Klein, todas da The Estée Lauder Companies.

fazer uma parceria com uma marca é como cantar uma música junto. Depende da confiança e dos valores que compartilhamos.

Por fim, mas igualmente importante no que completa as reflexões sobre o Festival de Cannes, vem a graça. O humor é uma ferramenta que, quando utilizada com o mínimo de ousadia e o máximo de bom senso, gera impacto.

Andrew Robinson, CEO da agência BBDO, exemplificou o ato com a propaganda feita pelo Wilmore Funeral Home, funerária que, em 2021, usou o humor para conscientizar sobre a importância da vacinação.

Fazer com que o meu interlocutor solte um arzinho pelo nariz e consiga se conectar a uma conversa séria também de forma sensível só relembra o tamanho do potencial humano. A leveza é um aprendizado que talvez venha para a favela, mas que não diminui o afeto em tudo que faz parte de nós.

A identificação gera conexões poderosas que estimulam reflexões sobre nosso contexto, nosso consumo, nossas ideias e nós mesmos. É na identificação que encontramos o valor gigante em tudo que somos e estamos nos tornando dia após dia, antes mesmo de o sol nascer.

A conversa aqui começou cedo e, garanto, está alinhada com o que disseram na França, que diriam Austrália, no Texas… A conversa começou aqui.


SOBRE A AUTORA

Roberta Camargo nasceu e cresceu na Brasilândia, periferia da Zona Norte de São Paulo. É jornalista e criadora de conteúdo do Simplão,... saiba mais