Champions League, não. Cannes Lions é a Copa do Mundo

O festival mostra que publicidade abraça não só como as marcas conversam com a sociedade e as histórias que contam, mas tudo o que elas fazem

Crédito: Fast Company Brasil

Fernanda Vendramini Tedde 5 minutos de leitura

Saímos do Palais com uma explosão de alegria: era um Grand Prix. O Martinez ficaria pequeno para tamanha comemoração. No caminho, liguei para os meus filhos para contar o motivo daquela euforia: “ganhamos o troféu da competição mais importante do mundo, meus amores!”. Quando, do outro lado da linha, Antonio, sete anos, respondeu: “então vocês ganharam a Champions League, mamãe?”

Por alguns segundos, tentei concatenar as referências para achar uma resposta.

O Cannes Lions é o maior e mais prestigiado festival de publicidade, mídia e relação entre marcas e pessoas de que se tem notícia. Nasceu em Veneza, inspirado pelo Festival de Cinema, e ganhou notoriedade global ao longo dos anos – sendo realizado desde a década de 1990 na Riviera Francesa, sempre no já quente mês de junho.

Ao longo dos anos, levou a sério a missão de acompanhar as mudanças da indústria – pautando muito do que seriam as próprias pautas dela. Até por isso, em 2010, imprimiu uma visão mais holística para a sua missão: de festival de publicidade passou a assinar como Festival Internacional de Criatividade. Neste ano, o festival comemora 70 anos de existência.

O mais óbvio sinal da transformação pela qual o festival vem passando é o quanto tudo dentro dele cresceu. Começando pela variedade de categorias competitivas. No início dos anos 1990, eram premiados trabalhos em Filme, Press e Outdoor. Premiava-se o jeito como as marcas se comunicavam, os formatos e execuções de cada história.

No final da década, incluiu-se a categoria de Cyber e Mídia. Nos anos 2000, entraram Promo, Direct, Radio, Titanium, PR, Mobile, Design e a lista vai embora… Até chegarmos em 2023, com 30 categorias para inscrição dos mais de 25 mil trabalhos da indústria da publicidade.

ENTRETENIMENTO E ALEGRIA

Hoje sabemos, e Cannes confirma, que publicidade abraça não só como as marcas conversam com a sociedade e as histórias que contam, mas também tudo que elas fazem. Em 2023, o festival valoriza principalmente as ações, os projetos de mudança, os legados para a sociedade.

Em 2023, temos GPs coroando contribuições para problemas do mundo, como a reconstrução online da história, território e cultura de uma ilha prevista para afundar pelo aumento das marés e aquecimento global; uma plataforma de recolocação profissional e moradia na Polônia para refugiados da guerra; o movimento feminino contra filtros de beleza irreais nas redes sociais; a cerveja que cedeu mídia e espaço das suas vendas para promover limões produzidos por agricultores chineses que sofreram queda de renda com a pandemia.

Soluções sociais foram trazidas também para as discussões. Como falou Gilson Rodrigues, em um painel de inovação sobre como a organização que lidera, o G10 Favelas, usou criatividade para gerar empresas que solucionam problemas das maiores favelas do Brasil.

Apesar dos trabalhos de impacto social dominarem todas as categorias do festival nos últimos anos, algumas conversas lembraram que publicidade também deve ser sobre entreter e trazer alegria.

Assim como na Champions e no futebol, não há fórmula certa para ganhar. Senão dava empate.

A pergunta feita por Andrew Robertson, CEO do grupo BBDO, foi: “por que a publicidade tem usado menos humor?” Só dois a cada 10 trabalhos premiados em 2022 faziam rir. Sendo que dados mostram que humor vende e gera mais lembrança de marca.

Ele mostrou que a preocupação em não usar humor durante e no pós-pandemia, apesar de bem-intencionada, não fez muito sentido. Porque, também nesses momentos, as pessoas querem rir. Andrew propôs que, usando ou não os temas do momento – IA, propósito e economia criativa –, a publicidade cause risadas para gerar mais resultados sérios para as marcas.

LIBERDADE E INDEPENDÊNCIA

O bingo corporativo das palavras obrigatórias também foi usado pelos estrategistas Rob Campbell, Paula Bloodworth e Martin Weigel quando dizem que os dados, ferramentas, modelos de planejar e objetivos de curto prazo nos fazem olhar os dados na nossa frente e não procurar além deles.

Nos fazem pensar limitadamente e entregar execuções táticas em vez de estratégias. Dentro das lógicas preestabelecidas, todas as campanhas ficam parecidas. E Cannes nos inspira a usar um pensamento livre, independente do tamanho e dimensão do trabalho.

Em 2023, o festival valoriza principalmente as ações, os projetos de mudança, os legados para a sociedade.

Assim como na Champions e no futebol, não há fórmula certa para ganhar. Senão dava empate. Tanto para as marcas que se propõem a mudar o mundo como para as que querem contar suas histórias e de seus produtos fazendo rir. O importante é que seja sempre de um jeito inesquecível e único.

Meus filhos Joca e Antonio aguardavam minha resposta. Já era possível ver o Martinez bombando e se ouvia o som dos Foo Fighters, logo ali na frente. Meus amigos da agência, felizes como nunca, se abraçavam no meio da rua. Passavam aquele Leão de mão em mão e corriam para a torcida, festejando.

O Brasil invadia a Croisette como há muito tempo não se via. Era um Brasil mais coletivo, mais alegre, mais progressista na essência. Felicidade dupla em ganhar, mas também ganhar com um trabalho para o Pacto Global da ONU através do Brasil.

Então tive uma clareza, respirei fundo e respondi: “não, filhos. A gente não ganhou a Champions. Hoje, nessa noite aqui de Cannes, a gente foi o Brasil. E o Brasil ganhou a Copa do Mundo”.


SOBRE A AUTORA

Fernanda Vendramini Tedde é chief operating officer da AlmapBBDO. saiba mais