Emocionar ou impulsionar? Cannes mostra que os dois são possíveis
Cases de propósito precisam ser avaliados pela real transformação e legado deixados e pela potência da conversa endereçada
Cannes Lions é um festival famoso pelos cases de propósito que arrebatam seus Leões. Chegamos na sala de júri este ano conversando sobre o quão sensíveis estávamos em relação a alguns cases de ONGs pelo mundo, que nos fizeram chorar repetidas vezes. Sim, há trabalhos excepcionais de PR de causa.
“The Postponed Day”, um case argentino que reuniu cerca de 30 ONGs e adiou por 14 dias consecutivos o Dia Mundial do Câncer de Mama (19/10), em evidente crítica ao quanto as mulheres adiam suas mamografias, foi o que mais fez os olhos dos jurados brilharem. Ele conseguiu estender uma conversa que seria de um dia para 14, gerando 270% de aumento em alcance e 260% em cobertura de imprensa, além de aumentar em quase 300% a realização dos exames versus o ano anterior.
Ao lado deste, o case “Fighting to Remember”, de Israel, mostrou criatividade e entendimento profundo do público ao reunir os cinco mais famosos gamers do país com sobreviventes do holocausto, conversando sobre sua história de sobrevivência enquanto navegavam pelo cenário realista do jogo Call of Duty. A conversa foi transmitida ao vivo para milhares de pessoas na Twitch.
Medir um case como esse com mídia tradicional seria não entender a mudança dos tempos e os hábitos da audiência jovem, cujo projeto queria reforçar a importância de não esquecermos a história do povo judeu.
Outro case de causa que deixou sua marca no júri foi “The Last Photo”: uma exposição de fotos alegres de pessoas de todas as idades, raças e gêneros em que o videocase revela serem as últimas imagens postadas por pessoas antes de se suicidarem.
O objetivo é gerar a reflexão de que uma pessoa deprimida nem sempre transparece a sua dor e, no QR Code da exposição, o link para um site com dicas de como agir para evitar o suicídio de pessoas queridas e deprimidas. Mil lágrimas entre todos nós e muita conversa em torno do tema – como costuma gerar um bom case de PR.
Porém, asseguramos que os cases de humor, simples e corajosos, tivessem um espaço protagonista no podium da categoria, levando ao mercado a mensagem de que fazer rir não é fácil – e que gerar vendas com humor é um trabalho árduo e louvável, também. Nesse caso, enfatizo três cases incríveis.
Primeiro, “Bringback2011”, um trabalho indiano para Oreo, que fez um bilhão de indianos se engajarem na conquista da Copa Mundial de Cricket (febre nacional), recriando o ano de 2011, no qual a Índia ganhou o torneio e o famoso biscoito foi lançado por lá.
Livros, peças, filmes e diversos acontecimentos de 2011 foram recriados, bem como a chegada de Oreo, claro. Um resultado de engajamento absurdo e muito riso por parte de todos que assistiram.
O segundo inesquecível para mim foi “Tax Free Bagel”, um case em que Philadephia trouxe a questão de que o tradicional pão de Nova York, quando fatiado, é taxado em 8,875% e, quando não fatiado, menos da metade. A ideia foi trazer o problema à tona via redes sociais e inventar o Stuffed Bagel com o cream cheese injetado com seringa, apelidado de “Tax-free Bagel”.
As vendas na loja parceira subiram 294%; atingiu-se a marca de 545 milhões de impressões; e mais de US$ 540 mil em economia de impostos foram gerados. Simples, corajoso e divertido.
Por último, destaco nosso Grand Prix de PR, o case “Self-love Bouquet”. Uma ideia criada para a DoorDash reforçar que, além de comidas, entrega flores no mesmo dia nos Estados Unidos. A marca de entregas gerou uma conversa sobre amor próprio, prazer feminino, solidão e lançou um produto perfeito para a data: um buquê com 11 rosas tradicionais e um vibrador na forma da flor.
Em sete dias de campanha, o produto esgotou-se em diversos estados norte-americanos, a conversa extrapolou 743 milhões de impressões e a marca se posicionou de forma muito potente. Outro ponto alto foi aproveitar o insight e o ritmo da música de Miley Cyrus, hino do amor próprio e que havia acabado de ser lançada, com a fala “I will buy myself flowers”.
A conclusão a que chego é de que cases de propósito precisam ser avaliados pela real transformação e legado deixados e pela potência da conversa endereçada. Prestigiamos aqueles que colocaram luz em temas difíceis, novos ou esquecidos.
Por outro lado, emocionar nem sempre significa despertar o choro. A sociedade adora cases de humor esperto, corajoso e pertinente. E se gerar vendas, além das boas conversas, muito melhor!