Cannes Lions 2024 | Ian Black

Ian Black, Co-CEO & Partner da New Vegas, agência da B&Partners

Crédito: Fast Company Brasil

Redação Fast Company Brasil 5 minutos de leitura

As marcas sempre ditaram conversas e criaram tendências. Agora, também respondem às demandas da sociedade, principalmente em relação a uma pauta ESG. Como você enxerga o papel da sua agência / empresa na promoção de uma sociedade mais justa e sustentável?

Eu não diria que as empresas respondem plenamente às demandas da sociedade, especialmente em relação à pauta ESG. Se isso fosse verdade, os discursos e ações das empresas estariam sob tal escrutínio que influenciariam diretamente seus valores de mercado. Ainda não chegamos a um ponto em que seja possível definir critérios adequados para avaliar de forma transparente os investimentos e a eficácia das estratégias das marcas na pauta ESG.

É mais correto afirmar que existe, sim, uma expectativa de parte da sociedade para que as empresas apoiem pautas progressistas de forma mais eficaz e transparente. No entanto, também há uma parcela da população que apoia pautas reacionárias e frequentemente promove boicotes e constrangimentos públicos contra empresas que demonstram apoio a causas de justiça social e ambiental. Não dá pra ignorar esse fato, pois ele é parte essencial do nosso problema.

Ainda vivemos em um país que bate recordes de assassinatos de ativistas, mulheres, pessoas negras e trans. Além disso, nosso poder legislativo tem aprovado leis que aumentam o desmatamento e o encarceramento em massa de pessoas negras, e poucas empresas se posicionam publicamente contra essas questões. É necessário uma coragem extraordinária e improvável que permita ir além da produção de campanhas demonstrando grandes preocupações e boas intenções.

O papel da nossa agência na promoção de uma sociedade mais justa e sustentável é evidenciado por nossas políticas internas desde a fundação, em 2011, quando decidimos não exigir diploma nos processos seletivos. Em 2016, promovemos o primeiro workshop de estratégia e criação de conteúdo para pessoas trans na publicidade. Desde o início, nosso time é composto majoritariamente por mulheres, especialmente em cargos de liderança, e estamos fazendo avanços significativos em questões raciais.

Temos uma política de licença parental de 6 meses, superior à maioria das grandes empresas brasileiras. Atualmente, somos signatários do Pacto Global da ONU, nas frentes de equidade de gênero e raça. Temos um compromisso de não atender marcas da indústria armamentista. Individualmente, sou talvez o maior doador para candidaturas de mulheres negras, trans e indígenas comprometidas com a justiça social. Também integro, em nome da agência, o conselho do hub de comunicação do Instituto Peregum de Referência Negra. Nosso objetivo para este ano é nos credenciarmos como uma empresa do Sistema B, juntando-nos a um restrito grupo de agências que conquistaram esse certificado.

E não somos beneficiados ou mesmo escolhidos por conta dessas escolhas - o que deveria ser algo óbvio quando estamos falando de questões de ESG, onde uma empresa deve priorizar uma rede de fornecedores diversa e comprometida com impacto positivo. A ignorância desses critérios básicos demonstra o quanto a questão ESG ainda está sustentada em muito discurso e pouca ação.

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Ian Black, Co-CEO & Partner da New Vegas, agência da B&Partners

Como você mede o impacto de uma campanha em termos de sustentabilidade e justiça social? Quais são os maiores desafios que as marcas enfrentam ao tentar alinhar suas operações com objetivos socioambientais?

 
É crucial dimensionar corretamente o problema que estamos enfrentando. Quando falamos de sustentabilidade, justiça social e objetivos socioambientais, estamos lidando com contextos amplos e complexos que são interligados, mas não se resolvem da noite para o dia, e muito menos com uma campanha publicitária. Estamos diante de desafios de proporções globais, frequentemente complicados por interesses geopolíticos conflitantes que, muitas vezes, representam os interesses comerciais de grandes empresas.

É necessário ter muito cuidado para que a publicidade e o marketing não se apropriem de pautas globais e políticas das quais não são protagonistas, especialistas ou as principais responsáveis (as empresas sim, mas não seus departamentos de marketing). Ao tratar esses temas como problemas solucionáveis com campanhas publicitárias, assumimos de forma inconsequente uma responsabilidade que não nos cabe e uma solução que não está ao nosso alcance.

Recentemente vimos isso acontecer com a apropriação de pautas relacionadas ao combate a preconceitos de raça, gênero e sexualidade. Nos últimos anos, a publicidade e o marketing têm abandonado essas pautas, desinvestindo ou mesmo extinguindo seus departamentos de DEI. Hoje, associações como a Casa Neon Cunha sofrem com a ausência de investimentos relevantes que, para muitas marcas, não representariam nem uma fração do custo de uma inserção de 30 segundos no horário nobre. Ou seja, talvez o maior desafio que as marcas enfrentam hoje seja admitir publicamente que seus objetivos de negócios são e sempre serão soberanos a qualquer objetivo socioambiental.

Mas eu vejo isso não como um problema, mas como um sintoma. Vivemos em uma sociedade disciplinar, onde a educação formal orienta os indivíduos a pensar a partir da sua caixa, da sua perspectiva. Assim, os profissionais de marketing e publicidade sempre entenderão a questão socioambiental como um desafio de comunicação, quando na verdade é um desafio político. É como esperar que taquígrafos resolvam o problema da cracolândia em São Paulo.

A possibilidade de medir o impacto de uma campanha em termos de sustentabilidade e justiça social é tão limitada quanto medir o impacto de uma campanha no combate ao racismo, homofobia ou feminicídio. Não é possível, pois uma campanha publicitária da iniciativa privada não tem essa função social. É possível, sim, medir uma campanha que fale de sustentabilidade, mas as métricas são as que sempre usamos na publicidade. Isso não significa que uma empresa não possa ou não deva empreender nas questões de sustentabilidade, muito pelo contrário. A questão é que esse briefing não é para a agência

 Como você vê o futuro da publicidade em um contexto de maior demanda por práticas socioambientais?

O futuro da publicidade reside na responsabilidade de não se deixar seduzir pelo enriquecimento através do Greenwashing ou Causewashing. Pelo contrário, cabe a nós, como profissionais cujo ofício passa pela necessidade constante de atualização sobre como o mundo e a sociedade funcionam, orientar as empresas a fazerem investimentos que realmente gerem o impacto necessário diante de uma catástrofe global que se aproxima cada vez mais de uma realidade inevitável.


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