Mira Murati e David Droga: por que os criativos não devem se preocupar com a IA

Em entrevista exclusiva, realizada antes do início do Festival de Criatividade de Cannes, a diretora de tecnologia da OpenAI e o CEO da Accenture Song falaram sobre o impacto inevitável da IA na publicidade e no marketing

Crédito: Fast Company Brasil

Jeff Beer 5 minutos de leitura

Nos últimos dois anos, marcas e profissionais de marketing têm adotado a inteligência artificial, tanto de forma criativa quanto na parte operacional. Alguns criativos já estão completamente envolvidos.

Em um novo relatório da United Talent Agency, que entrevistou mais de 500 profissionais de criação nas áreas de publicidade e entretenimento, 75% disseram estar criando trabalhos de maior qualidade usando IA.

Mas a tecnologia tem um custo: um estudo da Forrester de 2023 previu que até um terço dos empregos em agências de publicidade nos EUA será perdido para a IA até 2030.

Em Cannes, a diretora de tecnologia da OpenAI, Mira Murati, e o CEO da Accenture Song, David Droga, dividiram o palco para discutir essa moeda de duas faces e como ela vai impactar a publicidade, o marketing e a mídia.

No painel “Quando a IA desafia e potencializa a criatividade humana”, a dupla abordou a questão da IA como colaboradora, e não concorrente da criatividade humana.

Antes do evento, a Fast Company conversou com Murati e Droga sobre o que os criativos acertam (e erram) no que diz respeito à influência da IA e como a publicidade se encaixa no futuro dos produtos de IA. Esta entrevista foi condensada e editada por questões de espaço.

Veja aqui a cobertura da Fast Company Brasil sobre o Festival Internacional de Criatividade de Cannes.

Fast Company – Quais os erros e acertos da comunidade criativa acerta em relação ao impacto da IA sobre os empregos na área?

David Droga – Acho que estão focando muito na primeira fase de [pensar sobre] funções que a IA vai tornar redundantes. O papel do redator, do diretor de arte, do ilustrador. Há muita coisa que pode ser feita de maneira mais eficiente. Já disse isso antes, mas nem toda a criatividade vale a pena preservar.

A Accenture vai investir US$ 3 bilhões nos próximos anos na sua IA.

Vamos fazer um trabalho melhor nesse aspecto e elevar o nível. Ainda precisaremos de originalidade, de inovação. Essas coisas nunca saem de moda, nem o gosto, a compreensão e a empatia. Há todas essas facetas maravilhosas da criatividade que não podem ser terceirizadas.

Mas, se você tem ferramentas que permitem pensar mais rápido, ver as coisas de maneira diferente e criar coisas, acho que isso é ótimo. O recurso natural da imaginação e do gosto humanos ainda está lá. As pessoas precisam se educar para entender isso.

Mira Murati – Concordo com o que David disse em termos de estrutura para colaboração entre IA e humanos e ver isso como ferramentas colaborativas. A questão de os humanos amplificarem alguma capacidade inata é realmente antiga. Sempre ampliamos os limites do nosso conhecimento, e isso impulsionou toda a civilização.

Mira Murati (Crédito: Michelle Watt)

Agora estamos começando a ter um vislumbre do que significa estender o pensamento e a criatividade. Estamos aprendendo como isso vai funcionar.

Este é um processo iterativo. Nossa abordagem é, basicamente, trabalhar com as partes interessadas para ter a noção de onde a tecnologia os ajuda, onde ela faz a agulha se mover, como usar a tecnologia para oferecer um produto útil, alinhado com o que eles estão tentando fazer.

Este é, em grande parte, o processo que seguimos com o DALL-E. Quando o construímos, era apenas uma tecnologia. As iterações só puderam acontecer quando começamos a colaborar de perto com pessoas de diferentes áreas – criadores, artistas, contadores de histórias – e entender o feedback deles, incorporando esses insights no processo de aprimoramento da tecnologia.

Não acho que nós, sozinhos nos laboratórios de IA, possamos descobrir como melhor moldar a tecnologia e implantá-la de uma maneira que seja maximize os benefícios para as pessoas


Fast Company – O que pensam sobre as considerações éticas e medidas de segurança que orientam o desenvolvimento de IA? Como isso se aplica especificamente ao trabalho criativo para fins comerciais?

Mira Murati – Para a tecnologia em geral, estamos focados em questões de viés, uso indevido, alucinações e em capacitar as pessoas a entender se o conteúdo é gerado por IA ou não.

No caso do DALL-E 3, implementamos metadados que seguem o conteúdo na internet, e você pode rastrear a IA [que] é gerada. Isso é muito importante, especialmente neste ano, com eleições em várias partes do mundo. Estamos desenvolvendo tecnologias para ajudar as pessoas a identificar quando o conteúdo é gerado por IA.

Agora estamos começando a ter um vislumbre do que significa estender o pensamento e a criatividade.

Também estamos trabalhando em classificadores para imagens do DALL-E, para que você possa detectar quando é uma imagem gerada por IA. E temos pesquisado e trabalhado na marca d'água para textos, para que possamos ter tecnologias para lidar com a desinformação, entender a origem do conteúdo e assim por diante.

Mas essas questões são tanto sociais quanto tecnológicas. É preciso de ambos para lidar com questões de uso indevido e desinformação de uma maneira robusta.

David Droga – A Accenture vai investir US$ 3 bilhões nos próximos anos na sua IA. Falamos muito sobre os estúdios, o treinamento, a contratação de profissionais e de como estamos implantando isso.

Mas, na verdade, o maior valor que estamos gastando é em IA responsável, colocando salvaguardas para garantir que começamos do lugar certo, em vez de corrigir o curso e reverter a engenharia.

Tentando garantir que eles não apenas entendam a influência tecnológica, mas o que é creditado e como é creditado. Não estamos lá apenas para educar nossos clientes e trazer oportunidades para eles, também apontamos as armadilhas.


Fast Company – Mira, qual sua visão sobre o papel que a publicidade terá nas plataformas de IA e, mais especificamente, nos produtos da OpenAI?

Mira Murati – Não temos planos sobre isso agora. Minha opinião pessoal é que devemos ter como prioridade que o produto seja útil e esteja alinhado com a intenção e o comportamento do usuário. O alinhamento da tecnologia com as intenções da indústria e as intenções da sociedade é um ponto chave.

Agora, [a publicidade] não é nosso modelo de negócios. Não temos publicidade em nossos produtos. Temos assinaturas e uso gratuito. Não criamos perfis de usuários. Não fazemos recomendações. Então não há planos para integrar publicidade no produto.


Fast Company – David, como publicitário, você olha para as ferramentas da OpenAI e pensa no potencial publicitário delas?

David Droga – Sou um pouco contraditório nesse aspecto. Só porque algo tem muito tráfego e atenção não significa que deve haver publicidade. É por isso que a maioria das pessoas odeia publicidade, porque colocamos em todo canto essa espécie de pedágio para qualquer lugar em que as pessoas gostem de estar. Focar em garantir que o acesso seja democratizado, útil e seguro, esta é a chave. Com a monetização, a publicidade encontrará seu próprio caminho.


SOBRE O AUTOR

Jeff Beer cobre publicidade, marketing e criatividade para a Fast Company. saiba mais