As mãos que seguram os Leões precisam mudar de cor
Subir no palco de Cannes é, para muitos, o ápice da carreira. Mas quem são os profissionais que estão subindo nesse palco?

Este é meu terceiro ano no Festival Internacional de Criatividade Cannes Lions. Em 2024, vim como jurado; este ano, como palestrante.
Posso dizer que, sim, vimos uma pequena evolução. Criativos e criativas pretas ocupando espaços e corredores no festival como nunca antes. Vimos profissionais periféricos falando de criatividade com seus sotaques, com suas gírias, com orgulho.
Destaque para a dupla Bia Lopes e Thiago Costa, da Quintal, que trouxeram a gambiarra brasileira como tecnologia e não como improviso.
Mas mesmo com essa presença aumentando, por trás dos cases aclamados, a favela, a dor negra e a luta antirracista continuam sendo usadas como matéria-prima e pano de fundo para campanhas premiadas.
Quantas vezes a pele preta serviu apenas de paleta estética? Quantas vezes a favela virou insight, sem virar contrato, sem virar uma oportunidade concreta – e o principal: sem impactar a vida de quem realmente precisa?
O que as agências e marcas que ganharam prêmios com campanhas sobre racismo estrutural, genocídio da juventude preta, desigualdade e exclusão fizeram depois de subir no palco? Contrataram mais profissionais pretos? Investiram de verdade em territórios periféricos? Continuaram o diálogo, ou deixaram a luta na estante junto com o troféu?

Quero deixar claro que é fundamental que agências e marcas continuem pensando e falando sobre essas causas. Mas, quando forem falar, criar ou levantar os decks e cases, pensem no antes, no durante e principalmente no pós reconhecimento de Cannes.
Até porque só o reconhecimento não paga as contas. O que precisamos é transformar de verdade o mercado e fazer com que as mãos que levantem os próximos Leões mudem de cor.