Cannes Lions mostra que a IA não matou a propaganda, mas mudou seu DNA
“Temos que nos salvar a nós mesmos”, diz o vp de marketing da Apple, Tor Myhren

Ao contrário das previsões apocalípticas, a inteligência artificial não decretou o fim da publicidade. Esta é a mensagem central que tem dominado os palcos e bastidores do Cannes Lions 2025, maior festival de criatividade do mundo, nesta semana.
Líderes criativos de grandes agências e marcas afirmam que não apenas estão incorporando ferramentas de IA generativa ao dia a dia, como já colhem frutos de sua aplicação prática.
“Em 2023, IA foram as duas letras mais faladas em Cannes”, lembra Josh Rosenberg, cofundador e CEO da agência Day One. “Dois anos depois, a conversa deixou de ser sobre novidade e passou a ser sobre utilidade. Já superamos o hype. Agora, estamos focados na implementação e entendendo, de forma mais realista, os limites e o potencial da tecnologia.”
IA COMO ALIADA, NÃO COMO SUBSTITUTA
Na prática, o uso da IA tem ajudado as agências a testar mensagens, criar personas sintéticas para prever reações de públicos diversos e até revisar materiais em busca de falhas ou lacunas de abordagem. Mas há um consenso que vem se formando: a inteligência artificial pode ser uma ferramenta poderosa, mas está longe de substituir o elemento humano.

“A boa notícia é que a IA não vai matar a publicidade”, afirmou Tor Myhren, vice-presidente de comunicações de marketing da Apple, em uma das palestras mais aguardadas do evento. “A má notícia é que ela também não vai salvá-la. Nós é que temos que salvar a publicidade, acreditando naquilo que sempre nos diferenciou: a criatividade humana.”
Rosenberg concorda e resume o espírito do festival: “o tema dominante não é o que a IA pode fazer, mas como ela pode coexistir com a criatividade humana. A IA nunca vai substituir nosso maior ativo criativo: a emoção. Ela acelera processos e amplia possibilidades, mas não replica intuição, gosto ou aquele momento mágico que toca as pessoas.”
GRANDES IDEIAS AINDA NASCEM DE PESSOAS
A fala de Rosenberg não é gratuita. Sua agência esteve entre as finalistas do Cannes Lions com uma campanha digital para a Chipotle e a Apple foi escolhida Anunciante do Ano, graças a campanhas inovadoras e profundamente humanas.
Ainda que a IA possa em breve gerar textos, imagens e vídeos medianos com eficiência, conceber e executar um curta estrelado por Pedro Pascal para promover os AirPods – com roteiro, direção e timing perfeitos – ainda exige uma sensibilidade tipicamente humana.
Mas a inteligência artificial é apenas um dos ventos que sopram sobre a indústria da publicidade. A consolidação de grandes conglomerados, como a recente aquisição do Interpublic Group pela Omnicom, levanta preocupações sobre cortes de pessoal e perda de diversidade criativa.
Apesar disso, a indústria da publicidade parece ter algo a ensinar ao restante do mundo corporativo: a rapidez com que incorporou a IA e assumiu riscos pode ser uma vantagem competitiva em um cenário onde inovação e diferenciação são cruciais.
Empresas que esperam respostas prontas da IA talvez estejam fazendo a pergunta errada. Como mostrou Cannes Lions este ano, a resposta pode estar na união entre tecnologia e aquilo que nenhum algoritmo imita: a criatividade com alma.