Innovation Festival 2025: como combater a desinformação e manter nossa soberania cognitiva

O Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NetLab/ UFRJ) deve divulgar, nos próximos dias, os resultados de um projeto de pesquisa sobre desinformação nas redes sociais.
A equipe do NetLab coletou 170 mil anúncios sobre saúde nas plataformas da Meta, analisou uma amostra de quase sete mil peças e treinou uma IA para extrapolar a análise para a totalidade dos anúncios coletados.
Os dados preliminares apontam que três em cada quatro anúncios sobre saúde nas plataformas da Meta são potencialmente golpes e fraudes. A informação foi adiantada pela fundadora e diretora do Netlab, Rose Marie Santini, nesta sexta-feira (28/11), no segundo dia do Innovation Festival 2025, promovido pela Fast Company Brasil e apresentado pela KPMG.
Os resultados dessa pesquisa parecem ir ao encontro do que foi revelado em uma matéria publicada pela agência de notícias Reuters no início de novembro – uma investigação jornalística sobre a questão dos anúncios fraudulentos em plataformas da Meta – que causou grande repercussão.
Segundo o texto, assinado pelo jornalista Jeff Horwitz e baseado em documentos internos da própria empresa, a Meta projetou, no final do ano passado, que ganhará cerca de 10% de sua receita anual total – US$16 bilhões – com a veiculação de anúncios de golpes e produtos proibidos.
“Temos razões para pensar que esse valor de US$ 16 bilhões seja até conservador”, pontuou Brad Haynes, chefe do escritório da Reuters News no Brasil. Ao comentar sobre a matéria de Horwitz, ele lembrou que o Brasil é um dos principais mercados da Meta, junto com Índia e Estados Unidos, e questionou se essa proporção de 10% também se aplicaria a esses países.
O questionamento é pertinente, visto que boa parte da fiscalização da empresa é feita por algoritmos e sistemas treinados com inteligência artificial para identificar golpes e fraudes em língua inglesa e com treinamento contextualizado para os Estados Unidos e países que falam inglês. Por isso, Marie Santini calcula que provavelmente, em países como o Brasil e em todo o Sul Global, essa porcentagem seja muito maior.
Uma fraude nessa escala, se veiculada em televisão, causaria escândalo, pois atingiria uma quantidade enorme de pessoas, todas ao mesmo tempo, apontou Guilherme Ravache, sócio-fundador da Ravache Mídia.
“Na rede social a gente não vê a quantidade de fraude, só os casos isoladamente, porque tem um negócio chamado algoritmo, que faz com que o que eu vejo no meu feed não seja igual ao que você vê no seu, que não é igual ao que a outra pessoa vê no dela”, analisou.
Ravache lembrou que fraude e desinformação acontecem, em maior ou menor grau, em todas as plataformas de mídia sociais e trouxe dados de pesquisa que apontam a baixa credibilidade, junto ao público, desses canais de comunicação.
“Para os anunciantes, para quem está buscando coisas diferentes, buscando inovar, talvez a mídia tradicional seja a grande plataforma disruptiva hoje em dia”, completou.
SOBERANIA COGNITIVA
Soberania cognitiva é uma garantia de que a nossa atenção, nossa memória e nossas emoções não sejam controladas por um algoritmo de terceiros. A ideia coloca a autonomia da mente como um direito humano fundamental.
“Temos muitas perguntas sobre qual a nossa relação com a inteligência artificial e como a gente protege a neuroplasticidade do nosso cérebro”, afirmou Vanessa Mathias, cofundadora da White Rabbit, em sua apresentação sobre o tema, também nesta sexta-feira.
“Quem que tem a verdade? Quem tem direito de pautar a verdade nas respostas das máquinas? Quem define o que é inteligência? Quem está modulando nossos desejos? Como fazemos para pensar livremente?”, questionou.
Vanessa se debruçou sobre o tema da soberania cognitiva em um estudo elaborado ao longo de 2025 com dados da Talk Inc. e com entrevistas com 20 especialistas de campos variados. A pesquisa analisou como a IA pode impactar comportamentos, emoções e estruturas sociais.
“A primeira coisa que as pessoas perguntam quando falamos sobre soberania cognitiva é ‘então vamos ficar mais burros?’. Sim, existe esse potencial”, admite ela. “E a verdade é que já sabemos que a nossa saúde mental e o nosso pensamento estão prejudicados.
Estudos apontam que nossa capacidade de pensamento crítico e de aprender vem diminuindo nos últimos 20 anos, por conta da hiperconectividade. “Estar sempre ligado já fez com que a nossa capacidade de aprendizado e de memória a longo prazo fosse prejudicada.”
O paradoxo é que, ao mesmo tempo em que admitem que estão com mais preguiça de pensar, que já se sentem mais dependentes da inteligência artificial, as pessoas se sentem mais inteligentes, mais criativas, mais produtivas.
Segundo Vanessa, não é o caso de nos sentirmos culpados por isso, e sim de nos perguntarmos como reconstruir nossa reserva cognitiva e preservar o espaço do aprendizado e da imaginação.
Para isso, precisamos de espaço. Literalmente. Espaço para desligar das tarefas e permitir que o cérebro faça conexões sinápticas que acabam gerando boas ideias.
“A realidade se perdeu, se emaranhou. As camadas do que é informação, o que é opinião, o que é simulação, elas se emaranharam. Já é tecnicamente quase impossível discernir o que é real e o que não é”, apontou Vanessa. Para ela, este é o momento de “colocar tudo no chão e começar a reconstruir”.
“Temos que começar a repensar, mas repensar num momento diferente. É um espelho negro, que não necessariamente vai refletir a nossa imagem, e isso vai assustar muito. Mas acredito que, no final das contas, vai ser divertido”, finalizou.