SXSW 2023: Antes de sonhar com o futuro, a tecnologia precisa resolver o presente

Crédito: Fast Company Brasil

Guido Sarti 3 minutos de leitura

Duas telas de 60 polegadas foram o bastante para o Twitter lá em 2007. Assim a plataforma se posicionava (literalmente) na edição do SXSW daquele ano. Nos corredores da conferência, as telas transmitiam alguns tweets publicados na rede e, de repente, todo mundo queria fazer parte daquilo ali. Sem promessa de metaverso, sem óculos 3D e sem dizer mais do que 140 caracteres: a simplicidade do Twitter, na época, surpreendeu. Entre surpresa e estranhamento, a rede virou estrela daquela edição. De 20 mil tweets, Jack Dorsey viu sua plataforma passar dos 60 mil tweets por dia ao final do evento.

Começo o texto com essa história porque estou prestes a acompanhar a edição de 2023 do SXSW. Enquanto você me lê, provavelmente estarei entre um voo e outro ou já em terra firme, me recuperando do que aconteceu comigo (detesto voar). Nesses últimos dias pré-SXSW, tentei amadurecer qual expectativa tenho para este ano. Perto de acompanhar um dos maiores encontros de inovação do mundo, não consegui pensar em “futuro”, essa palavra que todo mundo adora associar a qualquer assunto relacionado à inovação. Eu me vi olhando para o passado recente, negociando internamente o estranhamento que 2022 deixou.

Recém saímos de um ano que não foi lá tudo isso para tecnologia. 2022 herdou dos anos anteriores uma expectativa enorme deixada para o campo da inovação em um mundo de transformação acelerada. Por um breve período, em meio às incertezas da pandemia, a tecnologia parecia a única coisa capaz de trazer esperança e conexão. A empolgação tomou conta e, enquanto fazíamos happy hour pelo Zoom, o mercado cresceu e os investimentos na área aumentaram significativamente.

Mas então o que deu errado? Talvez seja melhor falar de expectativa x realidade. Guilherme Felitti, do Tecnocracia (podcast do Manual do Usuário), chamou 2022 de “o ano da implosão”. A implosão se refere tanto à queda brusca das empresas tech em bolsas de valores, em um movimento de “correção da empolgação”, como também à nossa relação com a área, em que o otimismo precisou lidar com a vida real. E a vida real nos faz encarar um campo em que ídolos inovadores se revelam mais humanos e menos altruístas do que gostaríamos.

Em 2022, uma das maiores empresas de cripto, a FTX, virou pó. Junto com a FTX, também demos adeus à notoriedade do fundador Sam Bankman-Fried, que sustentava a figura de “millennial nerd” capaz de construir o “amanhã” do mercado financeiro. Ainda em 2022, vimos o Twitter se transformar em um campo de batalha, um avião comandado por um piloto mais interessado em se olhar no espelho do que olhar adiante. Sim, se o clima é de retrospectiva tardia, parece inevitável chegar a Elon Musk, CEO da plataforma desde outubro, depois de alguns meses caóticos de negociação, pânico e muitos tweets — meses que deixaram claro que sua agenda está longe de honrar o legado do que nos deixou admirados naquele SXSW de 2007, que fez história. Se antes Musk parecia deixar um legado de grande inovador do seu tempo, agora ele precisa lidar com esse capítulo aberto em que uma das principais redes sociais do mundo muda de rota estratégica com o estalar de dedos de um homem só. 

O Twitter não resume o campo tecnológico (e isso é uma ótima notícia), mas serve de exemplo para o nosso desafio atual. Se o tom dos parágrafos acima trouxe uma dosezinha de melancolia, é justamente a isso que quero dar adeus a partir desta edição do SXSW. No lugar de chorar o ano que aconteceu do avesso, temos muito trabalho para que 2023 seja diferente. É isso que espero como principal tópico do SXSW, das falas oficiais nos palcos às trocas entre um painel e outro. Antes de sonhar com “a próxima grande coisa”, antes de colocar no pedestal o próximo grande inovador, precisamos olhar à nossa volta e entender o que precisa ser feito. Feito não no sentido de desenvolvido, “codado”, implementado, mas no sentido de construído por meio das relações. Conhecido e reconhecido. Precisamos substituir o vazio deixado por ídolos intocáveis (e, no final do dia, imperfeitos) por relações genuínas. Trocar o ego pelo contato. Reerguer o que a implosão destruiu.


SOBRE O AUTOR

Guido Sarti é sócio da Galeria Ag e atua como professor coordenador na Miami AdSchool. Foi Head de Novos Negócios e Convergência na Gl... saiba mais