SXSW 2023: Apesar de tudo, somos humanos
Ainda estou decantando tudo o que vi e ouvi no South by Southwest, mas a primeira coisa que me vem à cabeça enquanto penso nas principais discussões levantadas no festival foi um disco do Daft Punk: “Human After All”. Música feita com equipamentos eletrônicos, por uma dupla que se apresenta vestida como robôs. Mas, como eles mesmos ressaltam: são humanos, apesar de tudo.
O culto à tecnologia e às máquinas que está em toda a estética do Daft Punk pode ser vista e ouvida também no SXSW. Inteligência artificial, machine learning, algoritmos, imersão digital. Tudo isso foi assunto que dominou várias mesas e keynotes. Mas os palestrantes que tratavam essas questões com profundidade sempre amparavam seus argumentos em um ponto fundamental: as pessoas têm sempre de estar no centro das decisões.
Estamos em um mundo hiperconectado, em que uma ferramenta recém-lançada como o ChatGPT traz a promessa da automatização de trabalhos banais e repetitivos. Não dá para fugir. A inteligência artificial foi um tema incontornável no evento. Mas as conversas precisam passar pelo impacto dessas novas tecnologias na saúde mental, no comportamento fora e dentro das redes sociais, no impacto que causa ao meio ambiente e à desigualdade.
Nesse sentido, a fala da Esther Perel foi luminosa. A terapeuta é uma das principais vozes a chamar a atenção para a “intimidade artificial”. “A automatização da vida está se tornando um processo plano e previsível”, disse ela. “A intimidade artificial está virando algo comum e aceitável socialmente, mas isso não é suficiente.”
Segundo Perel, as múltiplas telas que nos hipnotizam e o excesso de tempo que passamos nas redes sociais impulsionam a intimidade artificial. A incessante busca pela otimização (do tempo, de recursos) impede que as pessoas se mostrem presentes e sejam surpreendidas. É preciso estar disponível uns para os outros. Como a gente se desvencilha da intimidade artificial? Criando e cultivando conexões reais. Compartilhando sensações. Estando presente. Porque somos humanos, apesar de tudo.
Um dos principais sentimentos que nos define como seres humanos é o otimismo. O professor e escritor Simram Jeet Singh, que fez o opening speaker do SXSW, lembrou disso. Que o otimismo não está relacionado a ver o mundo cor de rosa, mas a reconhecer os desafios que se apresentam e entrar neles (recognize the challenge and step into it). “Encare os desafios a partir dos seus próprios valores,”
Singh ressalta a importância das conexões: “Coloque-se no lugar do outro, reconheça o outro. O mundo está interconectado”. Sempre temos escolha, e podemos escolher ver o mundo com perspectivas diferentes. “Reconhecer o próximo é fazer uma conexão.”
A fala de Singh foi marcante por pontuar algo que muitos consideram uma vulnerabilidade: o reconhecimento de nossas limitações. “Sentimos uma pressão de que se não mudarmos as opiniões dos outros, teremos falhado. Mas muitas pessoas gigantes, que fizeram coisas maravilhosas, não foram capazes de mudar a opinião de todo mundo.”
O professor Singh é um cara inteligentíssimo, um acadêmico que coloca no foco de seu discurso a diversidade, o respeito às pessoas. Porque somos humanos, apesar de tudo.
Uma das mesas mais concorridas foi, claro, a de Greg Brockman, uma das mentes que desenvolveu o ChatGPT. Seremos dependentes da inteligência artificial? Essas máquinas vão jogar a nosso favor? Eram dúvidas que tinha quando fui ouvir Brockman falar.
“Todos os aspectos da vida serão amplificados por essa tecnologia, e tenho certeza de que algumas pessoas ou empresas vão dizer: ‘Não quero’. E tudo bem. O ChatGPT vai ser uma ferramenta como o celular no seu bolso. Vai estar disponível quando você precisar, quando fizer sentido para você.”
O ChatGPT, e as inteligências artificiais, são, por princípio, machine learning, vão se desenvolvendo mais e mais com o tempo e, segundo Brockman, devem ser usados para “conectar informações e gerar conhecimento”. E, assim, amplificar as nossas habilidades.
Inteligências artificiais. Machine learning. Estamos mergulhando em um mundo comandado por máquinas e algoritmos? A palestra do Paul Stamets foi por outro (e delicioso) caminho. Stamets é um dos mais cultuados micologistas (especialistas em fungos e cogumelos) do mundo.
Stamets estuda a fundo a psilocibina, substância presente em cogumelos e que mostra-se eficaz em diversos tratamentos: ansiedade, depressão, coordenação motora. E que é uma poderosa arma para nos conectarmos com outras pessoas e com o ambiente. “Conseguimos nos conectar mais com a natureza e com as outras pessoas, com quem está à nossa volta. Temos de entender que somos apenas um.”
Um keynote que me deixou especialmente emocionada foi o do chef e empreendedor social Jose Andres. Sua palestra tinha o título “The Stories We Tell Can Change the World”. Andres tem lugar de fala. Muito do seu trabalho é levar alimentos a regiões devastadas por conflitos e desastres naturais.
Sim, em um festival de tecnologia e inovação, temas como a fome e a miséria também precisam ser bastante discutidos. Não está tudo conectado? Andres brilhou ao descrever mecanismos de cooperação. Ao mostrar que, usando a sua força como indivíduo, você pode impactar positivamente uma sociedade, uma causa. A potência das relações. A necessidade de encarar riscos.
Andres fala sobre o poder da comida em mudar o mundo. Com ele, entendemos bem o significado da expressão “booths in the ground”. Esteja onde precisa estar, veja e vivencie o que está acontecendo. Ele diz que nós somos um asset. A gente apenas ainda não sabe. E quando nos conectamos aos outros, conseguimos criar coisas que nem imaginamos.
Tecnologia. Inteligência artificial. Máquinas. O SXSW 2023 deixou bem claro que este é o mundo em que estamos entrando. Mas o festival também escancarou a importância das conexões, de olhar para o outro, de colocar sempre as pessoas no centro de tudo. Porque somos humanos, apesar de tudo.