SXSW 2023: Quem poderá salvar o nosso futuro? Os xamãs!

Cultura ancestral ilumina o caminho que a sociedade deve seguir para reverter o caos climático (e mental)

Crédito: Fast Company Brasil

Camila de Lira 3 minutos de leitura

O futuro não será robótico, mas xamânico. Em um dia marcado pela palestra do cofundador da OpenAI, o micologista, empreendedor e escritor, Paul Stamets, ousou falar sobre um outro cenário para a próxima década do planeta: uma humanidade conectada em si mesmo e com os outros.

“Estamos em um momento crítico da evolução da nossa espécie. Se não mudarmos o paradigma das consciências, não iremos sobreviver por muito tempo”, disse Stamets, durante palestra no SXSW 2023. Fundador da Fungi Perfecti, o cientista é um dos pioneiros nas pesquisas sobre uso de substâncias psicodélicas para fins medicinais.

Desde o final dos anos 70, Stamets estuda e analisa os cogumelos Psilocybe, que contém psilocibina, composto com efeito alucinógeno. Embora seja uma área de estudo que está voltando ao circuito “oficial” da saúde com pesquisas e papers publicados, o cientista reforça sobre a ancestralidade dos psicodélicos. “Esse conhecimento é apenas uma continuação do que povos indígenas falam há milhares de anos”.

De fato, as primeiras imagens que mostram cogumelos como parte da vida humana foram registradas na Tassili N’Ajjer, caverna localizada no deserto do Saara. Algumas delas datam de mais de 7 mil anos antes de Cristo.

“Os xamãs, hoje em dia, seriam considerados micologistas”, afirmou Stamets. Para ele, o ato de reconhecer quais são os tipos de cogumelos comestíveis, quais têm efeitos psicodélicos e quais não podem ser consumidos de maneira alguma já é poderoso. É um tipo de análise que os micologistas demoram décadas para adquirir. “Maria Sabina, a xamã mexicana que introduziu os cogumelos alucinógenos medicinais para os norte-americanos, era uma cientista”, diz.

Existência e consciência

Mais de cem testes já estão sendo feitos para entender a capacidade das microdoses e macrodoses de cogumelos psicotrópicos para tratamento das mais diversas aflições mentais, desde alcoolismo até depressão. Para apoiar as pesquisas, Stamets criou um aplicativo que reúne pessoas que utilizam as substâncias.

A ideia é “levantar dados para provar que os indígenas sempre estiveram certos”. Um dos pontos que o pesquisador conseguiu mostrar é que há melhora na coordenação motora daqueles que optam por usar microdoses, isso visto a partir de um teste de “tap” dos dedos no smartphone.

Outro aspecto realçado pelos alucinógenos é a consciência de comunidade. “Ficamos mais conectados com a natureza e com as pessoas, com a sociedade em nossa volta. Precisamos entender que somos só um”. Pesquisas mostram que o uso de alucinógenos em microdoses está ligado a menores indicadores de violência.

De acordo com o pesquisador, até mesmo a forma com que os micélios dos cogumelos crescem é simbólica, formando redes de raízes pela terra e se comunicando entre si, nada diferente de uma rede de fibra ótica ou da própria internet.

Os desafios para as pesquisas são muitos, mas é o momento para enfrentá-los. Um deles está em como organizar testes clínicos comparando com o efeito placebo, já que, para as macrodoses de cogumelos alucinógenos, não é possível contar com um grupo de controle que usa placebo. Outros desafios entram em como analisar os tamanhos de doses possíveis.

Todos esses tipos de análise já chegaram aos laboratórios. “Não gosto de chamar de tendência, mas é algo que está se tornando realidade. E precisa se tornar realidade o mais rápido possivel”, diz o cientista.

Quando fala do futuro, Stamets crê em uma sociedade mais justa, empática e calma, tudo isso a partir do poder dos pequenos cogumelos. Afinal, a inteligência pode ser mais do que artificial e generativa. Ela pode ser ancestral e geracional.


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais