Zona de desconforto: conversas difíceis para mudar o mundo

Crédito: Fast Company Brasil

Adriana Farhat 2 minutos de leitura

Empreender na área social tem um desafio a mais: ao escolhermos resolver um problema da sociedade, mexemos com privilégios, provocamos mudanças e precisamos quebrar tabus. E tabu é desconforto. Estou no quarto ano do festival South by Southwest e desde a primeira vez, junto com todas as tendências, cenários, novas tecnologias, novos produtos e teorias, pude presenciar debates interessantes relacionados a tabus, a assuntos que geralmente são ignorados, silenciados e que beneficiam o status quo. Assuntos que causam desconforto.

Em meio ao caos político, desigualdades estruturais e intolerância, o maior festival de inovação e cultura do mundo vem aumentando o espaço para conversas difíceis e necessárias. Há alguns anos, houve denúncia de assédio na maior plenária do evento, mesmo a empresa envolvida no caso sendo um dos patrocinadores. Ano passado assisti argumentações poderosas sobre direitos de reprodução das mulheres. Também ouvi o debate sobre livros de autores gays e pessoas pretas estarem sendo banidos em escolas dos EUA. Vi muitas mulheres brilhando em palcos para falar sobre ciência e sobre projetos de impacto global.

Nesta edição de 2023, entre muitos painéis, acompanhei discussões sobre o aborto, a liberdade e sobre sexo. Assisti indignada a uma entrevista mostrando a quantidade de leis nos EUA contra pessoas LGBTQI. Assuntos que já haviam sido trazidos em anos anteriores, mas que permanecem na pauta porque continuam relevantes.

Desta vez, tive a honra de participar de um painel sobre o tabu que escolhi como missão: como a dignidade menstrual impacta a vida das pessoas no Brasil e no mundo – e como a falta de acesso à informação, educação, saneamento básico, segurança e produtos menstruais tem como resultado a desigualdade de gênero na formação, nas oportunidades, nos salários, na saúde, na representatividade em lugares de decisão e de propostas de políticas públicas.

Com outras duas mulheres também envolvidas nesta causa, Emily Ewell e Tabata Amaral, fizemos uma conversa pautada em ação, dados, história e esperança para o futuro que já estamos construindo. A ação é coletiva: precisamos de políticas públicas, iniciativas privadas, negócios sociais e do envolvimento de mulheres e homens.

Metade da população mundial menstrua. Não é possível que algo tão comum seja motivo de vergonha, de silêncio. Se você não menstrua, veio de alguém que menstrua. A mudança é um movimento e percebo que estamos mexendo nas estruturas sociais. Como uma questão complexa, a dignidade menstrual precisa ser apoiada por todos.

A tecnologia pode e deve ajudar neste movimento. Como, por exemplo, dar acesso a informações em escolas e outras organizações, ou apoiar a pesquisa e o desenvolvimento de produtos sustentáveis para a gestão menstrual. Mas, sobretudo, é preciso falar. Falar sem eufemismos, sem vergonha. Levar este tema para os palcos do SXSW é um passo importante para sair da zona de desconforto e promover conversas difíceis, quebrando o tabu em torno da menstruação. A falta de dignidade menstrual pode não estar acontecendo com você, mas com certeza está ao seu redor.


SOBRE A AUTORA

Adriana Farhat é co-fundadora da re.ciclos (@reciclos) saiba mais