Esther Perel coloca o futuro no divã

A terapeuta reuniu a futurista Amy Webb e o evangelista de inovação do Google, Frederik Pferdt, para falar sobre futuro, tecnologia e humanidade

Crédito: Freepik

Carol Romano 5 minutos de leitura

No palco da Vox Media, um painel especial reuniu Esther Perel, renomada terapeuta e autora, Amy Webb, futurista e CEO do Future Today Institute, e Frederik Pferdt, evangelista de inovação do Google e autor.

A conversa – que marcou a gravação de mais um episódio do podcast Where Should We Begin?, segundo a anfitriã Esther Perel, foi um “encontro às cegas” entre o que chamou de “uma futurista e um não-futurista”.

O resultado foi uma calorosa discussão, cheia de tensões propositivas e reflexões profundas sobre como moldamos o futuro em um mundo cada vez mais tecnológico e polarizado.

A sessão começou com um experimento: Perel pediu que a plateia completasse a frase “O futuro é…”. Depois, Pferdt pediu a todos para completarem “O futuro QUE EU CRIO é…”. As respostas mudaram drasticamente entre os dois momentos.

No primeiro, adjetivos como "assustador" e "complexo" vieram à tona. Já no segundo, palavras como "pacífico" e "humano" foram ditas, revelando que, quando as pessoas se veem como agentes do futuro, adotam uma visão mais positiva. “Parem de falar do futuro ‘deles’– falem do 'nosso’ futuro. Do futuro que queremos criar", enfatizou Pferdt.

Com a plateia envolvida no tema, Perel questionou os convidados sobre o futuro.

“O futuro não acontece com a gente, nós o criamos. É preciso perguntar 'como quero me sentir?'. Isso guia nossas escolhas diárias, como ser gentil e conectar-se. Imaginar o futuro envolve lugar, pessoas e ações”, disse Pferdt.

O debate esquentou quando Amy Webb contestou. “Discordo totalmente. O problema de focar apenas no ‘eu’ é que vivemos tempos desafiadores, nos quais pessoas seguem visões autoritárias. Dados mostram que priorizamos interesses próprios, não o coletivo. Se queremos um futuro melhor, precisamos de incentivos para decisões coletivas.”

Se não treinarmos as IAs com diversidade de pensamento, elas refletirão apenas os interesses de quem as criou.

A divergência de pontos de vista e a discordância entre as abordagens era evidente. Perel retomou a atenção da plateia ao comparar o debate a uma terapia de casal. “Nas sessões de casais vemos polarização. Ambos olham para o mesmo lugar, mas não estão em concordância”.

Ela perguntou à plateia: “quantos de vocês sentiram hormônios do estresse subir? Isso acontece porque estamos menos acostumados a discordâncias profundas. Não há uma única realidade. Ambos defendem suas perspectivas”, complementou.

Perel finalizou pontuando que a tecnologia elimina atritos, mas precisamos lidar com confrontos e frustrações para seguirmos nos relacionando. 

TECNOLOGIA x HUMANIDADE

A psicoterapeuta provocou a plateia: “a tecnologia nos ensina a esperar perfeição, mas relacionamentos são desorganizados e imprevisíveis. Como manter nossa humanidade nesse contexto?”. 

Pferdt defendeu que a empatia será a habilidade mais valiosa do futuro e propôs um exercício simples: elogiar alguém genuinamente. “Isso fortalece conexões reais, algo que a tecnologia ainda não substitui.”

Voltando ao ponto do 'protagonismo individual' na construção do futuro, Pferdt argumentou. “Concordo que somos egoístas, mas se queremos felicidade, pesquisas mostram que gratidão e conexões aumentam a nossa. Investir em relacionamentos é uma escolha egoísta que beneficia a todos.”

A anfitriã seguiu a conversa pedindo que Webb destacasse duas de suas previsões para o futuro, apresentados anteriormente em uma Featured Session, apresentação que Perel descreveu como brilhante e ao mesmo tempo angustiante.

Esther Perel, Frederik Pferdt e Amy Webb em painel no SXSW 2025
Esther Perel (esq.), Frederik Pferdt e Amy Webb (Crédito: SXSW/ Divulgação)

“Robôs biohíbridos, que combinam neurônios humanos e hardware e os dilemas éticos dessa ‘inteligência viva’ é algo que está batendo à nossa porta. Outra transformação iminente são os sistemas de IA interconectados, que tomarão decisões críticas baseadas nos valores de seus programadores. Se não treinarmos essas IAs com diversidade de pensamento, elas refletirão apenas os interesses de quem as criou”, alertou a futurista. 

A reação do público foi mista – entre aplausos e inquietação –, o que levou Perel a refletir: “por que celebramos previsões tão perturbadoras?”. Ela arrancou aplausos da plateia quando  dirigiu a pergunta à futurista: “você considera as emoções que uma apresentação cheia de previsões distópicas pode causar na audiência?”.

empatia sem responsabilidade não é suficiente. Relacionamentos exigem compromisso mútuo.

A anfitriã salientou a racionalidade de Webb e trouxe a abordagem imaginativa de Pferdt como complementar, na medida em que ajuda a digerir as previsões que, muitas vezes, geram incômodos profundos. 

Em resposta, Webb compartilhou um relato pessoal sobre viver com TOC (transtorno obsessivo-compulsivo) e como a busca por controle a levou a desenvolver sistemas de projeção de cenários.

Isso a fez entender que futurismo é capturar e analisar grandes amostragens de dados e construir um bom número de cenários possíveis, para que não sejamos surpreendidos por algum deles. “Aprendi a abraçar a incerteza, e isso me libertou.” 

LIDERANÇA EMPÁTICA

“Como líderes emocionalmente desconectados podem tomar boas decisões?”, questionou Perel, compartilhando que o questionamento era de seu marido, que trabalha com trauma coletivo. “Quando peço que descrevam uma imagem do futuro, a maioria inclui outras pessoas. Relações são centrais”, respondeu Pferdt.  

“Cenários exigem ensaio. Não basta decidir, é preciso desafiar crenças e praticar”, complementou Webb, ao apontar que a tecnologia molda relacionamentos. “Minha filha, sem celular, é mais empática. Precisamos exercitar a empatia.”

Para Esther Perel, vivemos uma atrofia social na qual esperamos perfeição algorítmica em relacionamentos humanos. “Liberdade exige tolerância à incerteza. Sem isso, buscamos autocracia. Por isso a empatia é crucial para o futuro”, afirmou.

a tecnologia elimina atritos, mas precisamos lidar com confrontos e frustrações para seguirmos nos relacionando. 

Segundo a terapeuta, praticar criatividade reduz a ansiedade. Além disso, lembrou que a esperança não é otimismo ingênuo, mas a capacidade de reformular histórias para encontrar significado.

Pferdt finalizou com um lembrete essencial: “empatia sem responsabilidade não é suficiente. Relacionamentos exigem compromisso mútuo. E, no fim, são eles que definirão o futuro.”

Na tensão construtiva entre previsões analíticas e reflexões emocionais e imaginativas, a conversa mostrou que o futuro não será definido apenas por IA ou robôs biohíbridos, mas pelo equilíbrio entre inovação, protagonismo e conexão genuína.

Líderes devem estar preparados para enfrentar dilemas entre responsabilidades corporativas e humanas.


SOBRE A AUTORA

Carol Romano é consultora de inovação, psicanalista e especialista em relações. Cofundadora da consultoria Futuro Co. com foco em inno... saiba mais