Novas plataformas querem fazer das redes menos mídia e mais social
Sem mídia e com mais espaço para escuta, as novas plataformas convidam os usuários para sair das telas e se conectar com pessoas

No lugar de feeds infinitos, informações sobre seus amigos próximos. Em vez de polarização, escuta ativa. Cidadãos bem informados substituem os bots e os trolls que compartilham notícias polarizadas falsas.
Sim, essa vida nas redes sociais é possível. Nesta edição do maior festival de inovação e criatividade do calendário, o South by Southwest (SXSW), empreendedores e ativistas mostraram suas alternativas para as mídias sociais.
Um deles foi Ev Williams. O executivo foi um dos fundadores do X (ex-Twitter), do Blogger e do Medium. Agora, ele aposta em uma plataforma “menos mídia e mais social” chamada Mozi. “Quando fundamos o Twitter, o foco não era conectar pessoas, mas ligar ideias. Agora quero ligar as pessoas, sem a distração da mídia”, diz Williams.
O projeto da Mozi é ser uma plataforma em que os usuários descobrem e compartilham experiências do mundo real com amigos. É um caminho que aplicativos do mundo da saúde e bem-estar já estavam seguindo, como é o exemplo do Strava ou do My Fitness Pall. Ambos são usados para estimular a atividade e criar objetivos em comum de exercícios físicos.
COMPRAR OU SE CONECTAR?
Williams investe em novas plataformas, como o BlueSky e a Mozi, com o objetivo de mudar a narrativa que ele mesmo ajudou a construir nos anos 2000. “Tradicionalmente, as mídias sociais não foram desenhadas para criar conexão. A conexão era apenas um recurso para ampliar o consumo da mídia", afirmou.
O executivo se juntou a Molly Swenson para criar a Mozi. Ela é CEO do aplicativo. Entusiasta das redes sociais, Molly percebeu que o modelo do Instagram não fazia mais sentido quando entendeu o impacto do discurso de venda em sua experiência na rede. “Meus instintos de conexão foram cooptados pelo desejo de consumo", disse a executiva.
Com Williams, ela criou um aplicativo que se baseia nos contatos que a pessoa já tem no telefone e, a partir daí, cria uma rede de “conhecidos”. No Mozi, é possível dividir informações sobre localização e sobre viagens – como um espaço para avisar os amigos que você mudou de cidade. Ou para dividir os planos do final de semana.
Dessa forma, ele estimula que as pessoas se falem, usando feeds ou o app. “Não queremos que a pessoa passe muito tempo na tela. Criamos o Mozi para o usuário achar o que quer e sair do telefone”, explicou Swenson.
Em outra apresentação no SXSW, o autor e pesquisador Douglas Rushkoff disse que uma das formas de os humanos saírem do ciclo de controle da inteligência artificial e das techno-oligarquias é, exatamente, o retorno para o “mundo físico”. “Precisamos re-ocupar o espaço da vida real. A internet já está tomada por companhias, a vida real virou o novo underground.”
EM BUSCA DO "FATOR COMUM"
Se as redes sociais são as “praças públicas” do século 21, é possível redesenha-las para o propósito da cidadania. E essa discussão levou especialistas como o advogado e especialista Ronaldo Lemos para o palco do festival nesta edição.
O criador do Instituto de Tecnologia Social (ITS) Rio foi um dos únicos brasileiros convidados como “feature speaker” – palestrante de destaque no evento. Ele se diz otimista com as novas possibilidades para a tecnologia. “O sonho não acabou, ainda podemos construir novos caminhos”, disse Lemos.
As novas redes sociais são pensadas para promover a transparência, a vida física e a civilidade, como apontou a ex-primeira-ministra do setor digital de Taiwan, Audrey Tang. Ela é pesquisadora do Project Liberty, que tem como objetivo criar uma “web centrada nas pessoas”.
A atividade mais recente do Project Liberty foi a tentativa de compra do TikTok. O apelido da ação foi “oferta coletiva pelo TikTok”. Tang criou o conceito de “mídia pró-social", construída com ferramentas abertas e com algoritmos que priorizem o contexto, não o engajamento. O modelo é descentralizado e valoriza ideias “médias” em lugar do conteúdo exagerado.

“É uma forma de criar pontes e não aumentar a polarização”, disse Tang. Um exemplo prático de como funciona é o vTaiwan, uma plataforma aberta para participação pública dos cidadãos. Criado em 2014, o projeto cria espaços online e off-line para discussão de políticas públicas.
O fórum digital convida pessoas a compartilharem ideias sobre problemas específicos e logo entender quais narrativas se polarizam. Modelos de linguagem de grande escala analisam em tempo real as narrativas e estimulam as narrativas em comum entre os polos. Assim, a discussão chega no meio termo.
as mídias sociais não foram desenhadas para criar conexão. A conexão era apenas um recurso para ampliar o consumo da mídia.
Para Lemos, a proposta de Tang reconstrói a arte da escuta, que foi perdida pela polarização algorítmica nas redes. “Precisamos construir plataformas nas quais as pessoas sejam capazes de ouvir, falar e, basicamente, avançar os aprendizados e entendimentos do mundo”, disse o brasileiro.
A plataforma taiwanesa é uma forma não centralizada de garantir que a conversa não chegue a extremos e que informações falsas não circulem. “Quando promovemos esse terreno do meio, é como se estivéssemos reconstruindo o tecido social. As pessoas tendem a acreditar menos em exageros ou notícias falsas", disse Tang.
O vTaiwan teve respostas positivas, como aumento da participação dos jovens em discussões públicas e a criação de políticas coletivas eficientes, como aconteceu nas campanhas contra a proliferação da Covid-19 em 2020.
E O MODELO DE NEGÓCIO?
Para o presidente do Project Liberty, o milionário e pesquisador Frank McCourt, criar novas redes sociais exige estruturas tecnológicas pensadas na proteção individual de dados e de privacidade. No SXSW, ele explicou sobre protocolos de identidade que substituiriam o www. No lugar do número do servidor ou do computador ou IP, haveria uma identidade para cada usuário.
O importante é deixar claro que se tratam de comunidades de pessoas com interesses em comum. “A internet não precisa ser do jeito que está. Ela foi desenvolvida até o ponto em que estamos, mas podemos desenvolver algo diferente”, afirmou McCourt.

Na visão do economista e autor Eric Glen Weyl, a transformação precisa vir do modelo de negócios. Ele propõe um espaço para a publicidade investir em comunidades no lugar de propagandas generalizadas. Também analisa formas de a própria comunidade pagar pelos serviços de uma rede social.
Para Ev Williams, do Mozi, não há espaço para publicidade. Segundo o executivo, o modelo de conteúdo digital pago e de promoção nas redes sociais alimentou o “comportamento disfuncional” do público. O Mozi, por exemplo, está estruturado para ser freemium, ou seja, tem partes gratuitas e também recursos pagos. E pretende continuar assim.
“Há alguns anos, a ideia de pagar para um aplicativo de redes sociais seria loucura. Hoje em dia, visto o que o modelo gratuito realmente significa, há muita gente disposta a pagar para não ver publicidade”, apontou Swenson.