Sobre o espaço, o design regenerativo, o corpo feminino e o futuro que vi no SXSW

Médicas, cientistas, astronautas e um arquiteto especializado em design regenerativo discutem o universo lá fora e nosso papel aqui na Terra

Créditos: Felix Mittermeier/ Veerendra/ Pexels

Cristina Brand 6 minutos de leitura

Você já teve a oportunidade de sentar frente a frente com uma astrofísica da NASA? O festival South by Southwest proporciona encontros assim. Entre temas como IA e computação quântica, um dos grandes debates deste ano foi o paradoxo entre conexões superficiais e significativas, tema da palestra de abertura conduzida por Kasley Killam, especialista em saúde social e autora do livro "The Art and Science of Connection".

Fiz uma escolha pessoal neste South by Southwest (SXSW) 2025. Uma escolha que, à primeira vista, não tem ligação direta com a minha área de trabalho. Mas tem, porque no fim, o que estudo são pessoas, comportamentos, futuros. E tudo isso pulsa com mais verdade nas conversas que escapam dos painéis mais badalados.

Já sabendo que os grandes temas estariam bem cobertos nos downloads da volta e nas matérias de cobertura que viriam depois, decidi circular por espaços mais silenciosos, onde as trocas acontecem com mais tempo e mais escuta.

Foi assim que me vi entre médicas, cientistas, astronautas e um arquiteto especializado em design regenerativo, discutindo não só o universo lá fora, mas também nosso papel aqui, na Terra, em cuidar do futuro e regenerar a vida no planeta que habitamos.

OLHAR PARA AS ESTRELAS, LEMBRAR QUEM SOMOS

Na palestra "Carta de Amor da NASA", quatro astrofísicas compartilharam imagens impressionantes do telescópio James Webb – e também a emoção de fazer parte de um projeto que levou mais de 20 anos para ficar pronto.

“Os elementos que compõem nosso corpo – ferro, cálcio, oxigênio – foram forjados em antigas explosões estelares. Quando olhamos para o cosmos, estamos olhando para nossas próprias origens.” A frase, de Amber Straughn, astrofísica da NASA, me atravessou. A ciência ali não era só técnica, era também poesia.

Fruto de um esforço coletivo que envolveu mais de 20 mil pessoas e três grandes agências espaciais – a NASA, a Agência Espacial Europeia (ESA) e a Agência Espacial Canadense (CSA) –, o telescópio James Webb é o maior e mais complexo já enviado ao espaço.

Imagem da galáxia NGC 628, distante 32 milhões de anos luz, capturada pelo telescópio James Web (Crédito: NASA)

Desde seu lançamento, tem desafiado o que sabemos sobre o universo: identificou galáxias extremamente brilhantes no universo primordial e, mais perto de nós, detectou água em uma região do sistema solar onde antes nem se imaginava que ela pudesse existir.

Essa descoberta pode transformar nossa compreensão sobre a origem da água na Terra e, mais do que isso, ampliar as possibilidades de existência de vida em lugares antes totalmente descartados.

Em tempos tão acelerados, me tocou profundamente essa lembrança de que o conhecimento verdadeiro leva tempo. E que a busca por respostas, assim como a construção desse telescópio, é um esforço coletivo que nos conecta uns aos outros e à vastidão de onde viemos.

O CORPO FEMININO COMO NOVA FRONTEIRA

Um dos primeiros painéis que assisti logo ao chegar em Austin foi liderado por Ashley Walsh, fundadora da Inner State Inc., uma biotech que pesquisa terapias psicodélicas aplicadas à saúde feminina.

O foco da conversa era justamente o uso de psicodélicos, especialmente a microdosagem, em momentos-chave da vida hormonal das mulheres, como o puerpério e a perimenopausa. Ashley compartilhou sua experiência pessoal e como esses recursos a ajudaram a atravessar períodos críticos com mais equilíbrio emocional.

A neurofarmacologista Stephanie Wang, especialista em medicina integrativa e diretora clínica na Modern Medicine Services, trouxe uma visão técnica e ao mesmo tempo sensível.

o que está emergindo é uma medicina que reconhece que a cura passa por nos conhecermos profundamente.

Ela explicou como os psicodélicos interagem com estrogênio, serotonina e glutamato – neurotransmissores intimamente ligados aos ciclos hormonais femininos – e defendeu uma abordagem integrativa, que olhe para o corpo da mulher como um sistema complexo, e não apenas como um conjunto de sintomas a serem silenciados. 

Achei muito interessante olhar por esse ponto de vista. Talvez o verdadeiro desafio não seja tratar os sintomas, mas ouvir o que eles estão tentando nos dizer.

“A medicina trata a menopausa como um evento hormonal. Mas é também neurológico, emocional, existencial”, disse a Suzanne Gilberg-Lenz, ginecologista especializada em medicina integrativa e autora do livro "Menopause Bootcamp".

Esse tipo de fala foi forte e impactante para muitas das mulheres presentes na plateia. Mais do que tratar patologias, o que está emergindo é uma medicina que escuta, que considera o ciclo, a história, o contexto e que reconhece: a cura passa por nos conhecermos profundamente.

MEDICINA SOB MEDIDA ESTÁ MAIS PERTO DO QUE PARECE

Em outra conversa poderosa, Priscilla Chan, cofundadora da Chan Zuckerberg Initiative, apresentou a ideia de um modelo de célula virtual criado com inteligência artificial capaz de simular em detalhes como funciona o corpo humano e prever, com altíssima precisão, quais tratamentos funcionariam para cada pessoa.

Sim, ela é a esposa de Mark Zuckerberg. Mas, como ela mesma brincou com graça e precisão:  “para me conhecer de verdade, você precisa conhecer meus avós, não meu marido e meus filhos.

Priscilla Chan (dir.) e Emily Chang, da Bloomberg (Crédito: SXSW)

Sua fala não era apenas sobre tecnologia. Era sobre ancestralidade, sobre legados invisíveis e sobre a possibilidade, cada vez mais real, de uma medicina profundamente personalizada, que leve em conta nossa singularidade biológica, emocional e cultural.

DESIGN REGENERATIVO: QUANDO AS CIDADES RESPIRAM COM A NATUREZA

Outra conversa que me marcou veio de uma área distante da saúde e da medicina, mas absolutamente conectada ao bem-estar coletivo: o urbanismo regenerativo. Quem conduziu foi Sean Quinn, diretor de design regenerativo na HOK, um dos maiores escritórios de arquitetura, engenharia e planejamento do mundo.

Quinn apresentou projetos e princípios que vão além da sustentabilidade tradicional. Não se trata apenas de reduzir impactos negativos, mas de regenerar ecossistemas, melhorar a vida urbana e reintegrar os ciclos naturais aos espaços que habitamos.

nosso futuro não será construído apenas com algoritmos, mas com um olhar sensível e coletivo.

Quinn propõe uma nova lógica para o futuro das cidades, uma que trabalha em parceria com os ritmos da natureza. Ele defende a real integração das áreas como arquitetura, ecologia, engenharia e ciência de dados.

Mais do que uma abordagem técnica, Quinn destacou a importância do trabalho verdadeiramente coletivo. "É preciso ir além da expertise individual. Quando designers, engenheiros, pensadores criativos e cientistas trabalham juntos e com a natureza como mentora, é possível criar soluções verdadeiramente regenerativas. Chamamos isso de design transdisciplinar.”

Ao ouvi-lo, ficou claro: nosso futuro não será construído apenas com algoritmos, mas com um olhar sensível e coletivo. Um novo tipo de inteligência: mais integrada, mais sensível, guiada pela reconexão com os ritmos vivos do planeta e por mãos que aprendem com árvores, solos, ventos e águas.

DO INVISÍVEL AO ESSENCIAL: TUDO ESTÁ CONECTADO

Parece coincidência, mas não é: quanto mais falamos de células, hormônios e receptores, mais falamos de interdependência. A saúde do futuro, seja ela do corpo, da mente ou das cidades, exige integração. Entre ciência e sensibilidade. Entre dados e escuta. Entre tecnologia e natureza.

Regenerar, nesse contexto, não é só um ideal: é uma urgência. Para olhar com mais profundidade para o que está dentro de nós, mas também para o que nos cerca. O planeta que habitamos, as cidades que construímos, o tempo que temos.

Sim, ainda somos pequenos diante do universo. Mas talvez a grandeza esteja justamente aí. Na coragem de se maravilhar com o desconhecido e na responsabilidade de cuidar do que já conhecemos.


SOBRE A AUTORA

Cristina Brand é sócia fundadora da empresa de pesquisa Talk. saiba mais