SXSW 2025: vergonha, autenticidade e o futuro da conexão humana
Kenya Barris e Malcolm Gladwell conversam com Brené Brown sobre vulnerabilidade, vergonha e o impacto da tecnologia nas relações humanas

No episódio ao vivo do podcast "The Unusual Suspects", os anfitriões Kenya Barris (roteirista criador da sitcom "Black-Ish") e Malcolm Gladwell (autor do livro "O Ponto da Virada") receberam a pesquisadora e autora Brené Brown para uma conversa franca sobre vulnerabilidade, vergonha e o impacto da tecnologia na subjetividade e na conexão humana.
Diante de uma plateia atenta no palco do SXSW 2025, Brené reforçou que, em um mundo cada vez mais polarizado e digital, a autenticidade é um dos poucos caminhos possíveis para uma conexão real.
A pesquisadora começou o debate esclarecendo a diferença entre vergonha e culpa. Enquanto a culpa pode ser um catalisador positivo para mudança (“fiz algo ruim, então posso consertar”), a vergonha paralisa (“sou ruim, então não há solução”).“A vergonha é o medo de não sermos dignos de amor. Só a empatia cura isso”, explicou.
A autora reforçou que sentir vergonha é algo natural para quem tem a capacidade de sentir empatia, já que as duas coisas estão intimamente ligadas. Ao perguntar quantos na plateia já haviam sido envergonhados por professores ou familiares, quase todas as mãos se ergueram.
Kenya Barris trouxe um olhar pessoal para o tema, relembrando sua criação em um lar multicultural com uma mãe Testemunha de Jeová e um pai muçulmano. “Era um caos hilário, mas também um campo minado de expectativas e julgamentos.” Um ambiente que moldou sua escrita afiada sobre identidade e pertencimento.
Brené, por sua vez, contou que sua pesquisa nasceu de um choque de realidade ao trabalhar em um centro de tratamento para jovens, onde um diretor lhe disse: “não mudamos pessoas envergonhando-as”.
Como resultado do seu estudo, Brené veio a compreender que “vergonha é uma coisa muito importante para as crianças porque significa não ser amável”, como compartilhou a pesquisadora.
Seu trabalho, segundo ela, se sustenta em histórias de comunidades diversas – negras, latinas, LGBTQIA+, pessoas com deficiência – porque, “se a pesquisa não reflete o mundo real, ela não serve para nada”.
SOBERANIA EMOCIONAL E COGNITIVA
Barris e Gladwell apontaram que a crescente preocupação em “não ofender ninguém” está travando a criatividade. Como contraponto aos efeitos que a coerção social pode causar na subjetividade de cada um, Brené compartilhou que uma vez fez um "sabático" das redes sociais.
Assim como quando parou de beber há 28 anos, a pausa das redes tinha a intenção de reconquistar autonomia nos pensamentos e emoções.
“Fiquei desorientada por um mês, não sabia o que estava acontecendo. Estou começando a acreditar que soberania cognitiva e emocional, conceito que aprendi com filosóficos alemães, significa se desprender de uma ‘colmeia mental’.”
Para Gladwell, o conceito se traduz em “ter o controle dos seus pensamentos”. Ambos concordaram que a dependência de redes sociais e a constante exposição à negatividade deterioram a saúde mental, a criatividade e a inovação.

Gladwell trouxe a curiosidade à tona. Curiosidade está enraizada na vulnerabilidade. Hoje, a maior barreira à curiosidade é a volatilidade e incerteza na cultura. Acordar e sair da cama já é assustador. E ainda querem que eu seja vulnerável e curioso?, indagou o autor.
Para Brené a curiosidade não julga. Curiosidade é estar disposto a sair de uma conversa mudando sua visão do mundo. “Adoro isso, pois quando as pessoas competem, tentam provar seu ponto. Se você está disposto a sair de uma conversa de forma diferente, abre espaço para diálogos melhores”.
Para ela, paradoxos, metáforas e poesia são ferramentas para lidarmos com a complexidade. “Devemos frequentar menos escritórios e mais espaços de arte”, convidou a autora.
a busca pela autenticidade e a valorização das habilidades humanas são essenciais para o futuro das relações.
A pesquisadora reforçou que traduzir conceitos complexos para o cotidiano é essencial para ampliar o alcance de sua mensagem. “Contexto é rei. Metáforas tornam o desconhecido familiar”, explicou, citando a série infantil "Sesame Street" (Vila Sésamo) como referência para ensinar sobre emoções e sobre conexão humana.
Brené não fugiu do debate sobre o quanto o sucesso a transformou e sobre como equilibrar autenticidade e mercado. Questionada sobre decisões financeiras em sua carreira, foi categórica: “só pergunto: ‘isso serve ao trabalho?’. Se sim, o dinheiro é válido. Se não, recuso”.
Ela também expôs a disparidade de gênero nos negócios, relembrando um agente que a alertou que ela ganhava apenas “um quinto” do que seus colegas homens brancos. “Exijo equidade. Se não há diversidade no palco, não participo”, afirmou.
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL x HABILIDADES HUMANAS
A conversa inevitavelmente chegou ao impacto da inteligência artificial no futuro do trabalho. Para Brené, a tecnologia não substitui as habilidades humanas que realmente importam: pensamento paradoxal, criatividade e empatia.
“A IA não pode ter coragem. Nem viver histórias que ressoam de verdade”, disse, lembrando que a cultura corporativa, por décadas, reforçou a ideia de que emoções eram fraqueza – um erro estratégico.
“Não acredito nessa ideia de que a IA vai solucionar tudo e o que nos faz humanos vai prevalecer. Somos péssimos em tudo o que é humano: emoção, conexão, empatia, construção de confiança. Na verdade, não somos bons nessas coisas, porque fomos ensinados nos últimos 30 anos que tudo o que nos torna humanos não é bom no trabalho.”
O episódio destacou que, em um mundo cada vez mais incerto e polarizado e à medida que a tecnologia e as redes sociais moldam nossas vidas e a conexão humana, a busca pela autenticidade e a valorização das habilidades pessoais – como a capacidade de sentir, de se conectar e de ser curioso – são essenciais para o futuro das relações, do trabalho, do mundo.