Brasil, um sonho intenso
Criticar o SXSW e nosso país é do jogo. Mas, se além de crítico, o olhar também for míope, o tiro sai pela culatra
Como tudo que existe neste mundo, o South by Southwest tem muitas coisas para melhorar. O festival tem a obrigação de ser bem mais diverso: ainda tem muito mais (mas MUITO mais) branco do que negro, tanto na plateia quanto no palco, assim como deveria ter mais mulheres palestrando.
O patrocínio do exército dos EUA, então, nem se fala. Isso deu um bafáfá tão grande que dezenas de artistas, palestrantes e outros patrocinadores preferiram se retirar do evento.
O SXSW tem a obrigação de ser menos elitista. Mas essa é uma obrigação também da humanidade.
Um dos problemas do elitismo é que ele traz consigo uma superficialidade inerente. Muita gente vai para Austin para aparecer e ostentar, é fato. Mas há quem faça uma conexão entre essa suposta perda de propósito real do evento com o “jeitão dos brasileiros” em Austin. Opa, pera lá, muita calma.
JEITÃO & JEITINHO
Em linhas gerais, o que se ouve são anedotas sobre a caricatura do brasileiro espalhafatoso. Ele chega em Austin e quer contar vantagem a respeito do hotel que está ou do coquetel para o qual foi convidado. Em um evento que promove o sentimento de “junto e misturado”, o brasileiro promove a cultura da "camarotização".
Meu ponto não é que o SXSW e o brasileiro sejam criações divinas perfeitas. Só acho que estamos criticando a coisa errada.
Como um pouco de boa vontade, o SXSW pode ser considerado uma espécie de microcosmo do Brasil.
Se é que de fato existe, esse jeitão brasileiro não é uma exclusividade nem uma invenção nossa. Em qual evento não vai ter gente assim? Gostar de aparecer e de ostentar são traços presentes em todos os países do mundo. E essa tendência global nunca foi tão forte quanto em 2024 – estamos vivendo o ápice dela. Ou, em uma perspectiva mais sombria, talvez apenas o começo.
Se esse jeitão brasileiro não é exclusividade nossa, o jeitinho também não é. Se somos “pouco apegados à legalidade” ou se “queremos sempre levar vantagem acima de tudo”, é porque esse é um sentimento que vem sendo destilado ao longo de duros 524 anos.
Não quero isentar nós, brasileiros, de nossos problemas ou características. Quero apenas lembrar que o buraco é mais embaixo. Se você realmente quer investigar os motivos de uma pessoa problemática, não será uma surpresa ver que sua criação também foi recheada de problemas.
DÊ UM ROLÊ
Não me identifico com a ideia de patriotismo, porque esse me parece um sentimento automático e incondicional. Prefiro procurar ativa e conscientemente por motivos para sentir orgulho do país em que nasci.
Nessa busca, vou encontrar também coisas que me envergonham. Porém, o que me interessa, no fundo, é a busca. A tal da síndrome de vira-lata é cansativa não porque sou ufanista, mas porque, de fato, temos coisas para nos orgulhar.
Com altos e baixos, somos uma liderança histórica em muitos cenários, seja na pauta ambiental global, na produção de alimentos, na engenharia aeroespacial ou mesmo em pautas mais sociais, como o sistema único de saúde.
Isso sem mencionar que o Brasil é uma potência criativa. O chip do Elon Musk? Miguel Nicolelis inventou 25 anos antes – e com propósitos muito mais éticos em mente, diga-se de passagem. Nosso amplo reconhecimento internacional também não deixa dúvidas de que temos uma das publicidades mais inventivas do mundo.
Gosto de imaginar que a publicidade brasileira é tão boa porque somos um país, acima de tudo, instigante. Nossas paisagens, nossas músicas, até nosso noticiário: o que não falta é coisa acontecendo o tempo todo.
Meu palpite é que os publicitários brasileiros são bons porque não pensam só em publicidade. Eles são privilegiados por terem nascido em um país em constante movimento. Podem beber de várias fontes.
Afinal de contas, quem atua com criação e inovação sabe que não se trabalha apenas diante de uma tela. Muitas vezes o processo criativo ocorre nas entrelinhas. Não é questão de estar sempre trabalhando, é justamente o contrário: permitir se desligar do trabalho e se conectar com as outras coisas que a vida oferece. Arejar o cérebro nos torna pessoas e profissionais melhores.
Como um pouco de boa vontade, o SXSW pode ser considerado uma espécie de microcosmo do Brasil. Tem palestra, mas também tem muita música, festival de comédia, de TV e de cinema. Tem tudo que acontece quando nada está acontecendo, como encontrar meio metro quadrado no chão e se espremer entre um CEO e um estagiário para se servir no almoço.
E tem a cidade todinha de Austin, que, aliás, é considerada a capital mundial da música ao vivo – título que poderia facilmente ser do Brasil numa competição global, já que em todos os cantos do nosso país tem sempre um som rolando.
Temos todos os defeitos do mundo, mas não dá para dizer que não somos um povo vivo. Pulsante em suas contradições, injustiças e belezas: tudo no Brasil é muito. No SXSW também.