O poder da conexão

Terapeuta e podcaster Esther Perel traz o tema ao festival, em conversa com Trevor Noah e Brenè Brown

Crédito: Jacob Lund/ iStock

Carol Romano 7 minutos de leitura

Em tempos de inteligência artificial generativa e um turbilhão de incertezas, há momentos que nos lembram da beleza e da importância da conexão humana.

Nesta edição do SXSW, dois desses momentos aconteceram durante conversas com a especialista em relacionamentos modernos Esther Perel, apresentadora do podcast "Where Should We Begin?", escritora e com uma audiência de mais de 20 milhões de visualizações em seus TEDs. 

No South by Southwest 2024, ela participou de dois painéis – dos mais disputados do evento: um com Brené Brown, pesquisadora, autora e conhecida por tratar de temas como a vulnerabilidade; e outro com o comediante Trevor Noah. Seguem alguns destaques dos encontros.

HUMOR É LIBERDADE 

O palco estava montado e, enquanto os microfones eram ajustados e a plateia se acomodava, o tom brincalhão entre Noah e Perel estabeleceu o cenário para uma jornada que iria além das palavras. Com intimidade com microfones e alto-falantes, a presença de Noah gerava conforto, convidando a plateia para um espaço onde a vulnerabilidade e a autenticidade se faziam presentes. 

Em um diálogo que foi além das fronteiras da comédia e da terapia, Perel, conhecida por sua habilidade em desvendar os mistérios dos relacionamentos, e Noah, um mestre da comédia que navega habilmente pelos tumultos do mundo contemporâneo, proporcionaram uma experiência rica em reflexões universais que renovaram o senso de conexão entre os presentes.

"Quero mais momentos onde existimos apenas naquele momento", disse Noah, salientando a busca pela presença em meio ao ruído incessante da vida moderna. Sua visão de momentos "off the record" ressoou profundamente, destacando a importância de se desconectar para se reconectar verdadeiramente.

Esther Perel e Trevor Noah (Crédito: SXSW)

Perel moldou a conversa com uma pergunta essencial: "qual é o papel do humor em tempos de tumulto?". "O humor é universal", disse Noah. "Mesmo nos tempos mais sombrios, o riso pode ser uma luz guia", completou.

Olhando para a história, Perel destacou a antiga tradição do humor como ferramenta de libertação, desde os gladiadores romanos gravando histórias engraçadas nas paredes até sobreviventes encontrando consolo no riso em meio aos tempos mais desafiadores. As observações sobre a natureza transformadora do riso nos fizeram perceber o humor como uma força que rouba o poder da dor.

A troca evoluiu para o impacto do humor em nossa psique coletiva. Desde expor hipocrisias e desafiar preconceitos até criar solidariedade e promover a unidade, a comédia serve como um espelho para a sociedade, refletindo nossas verdades compartilhadas e desafiando o status quo.

Para Esther Perel, a chave para uma conexão genuína reside na escuta ativa e na empatia.

As reflexões sobre as nuances do humor, desde a subversão da autoridade por Charlie Chaplin, revelaram a importância do riso em meio ao caos do nosso mundo. A conversa nos fez aterrissar no entendimento de que o humor serve, de fato, como um poderoso exercício de liberdade. 

Ambos concordaram que a comédia, assim como o sexo, é uma experiência íntima que exige conexão e compreensão mútua. Nesse sentido, Perel enfatizou a necessidade de uma escuta engajada, livre de preconceitos e expectativas pré-concebidas.

Noah complementou reforçando a importância de fornecer contexto aos espectadores para que se sintam confortáveis e envolvidos, vínculo necessário para que o humor não ultrapasse as fronteiras do respeito.

Charles Chaplin em "O Grande Ditador", de 1940 (Crédito: United Artists)

Perel e Noah também exploraram as complexidades da escuta, uma habilidade essencial tanto para comediantes quanto para terapeutas. Para Perel, a chave para uma conexão genuína reside na escuta ativa e na empatia.

O papo se estendeu para a arte perdida da conversa fiada, seja em encontros em aviões ou conversas em restaurantes, como formas essenciais de exercitar nossas habilidades sociais.

A próxima turnê de Noah gerou discussões sobre medo de palco e nervosismo, com Perel oferecendo insights sobre como lidar com a ansiedade de performance.

Eles desmontaram a dinâmica de expectativa e curiosidade, enfatizando o poder de abandonar noções preconcebidas para fomentar conexões genuínas. O conselho de Perel foi focar em dar ao público e abraçar a curiosidade, em vez de esperar risadas.

As reflexões sobre as nuances do humor revelaram a importância do riso em meio ao caos do nosso mundo.

Em um mundo inundado de distrações, a terapeuta trouxe o conceito de "perda ambígua", destacando a desconexão que surge quando a presença é ofuscada pela ausência – o que acontece frequentemente quando os celulares atravessam nossas conversas cotidianas.

A analogia de Noah sobre se apresentar em um clube de comédia, onde a atenção da plateia vacila durante o momento de coletar os pagamentos, nos trouxe outra ilustração da luta universal pela atenção qualitativa no mundo acelerado e multitarefas de hoje.

Enquanto a conversa ganhava vida, o público presente era transportado para um lugar repleto de reflexão e autodescoberta. A conversa entre Esther Perel e Trevor Noah não apenas nos fez rir, mas também nos fez sentir e pensar.

Quando a conexão é constantemente atravessada por infinitas distrações e substituída pela superficialidade, eles nos lembraram da importância de estar intencionalmente presentes em nossas interações. 

INTIMIDADE ARTIFICIAL 

A presença da psicoterapeuta Esther Perel nesta edição do SXSW também foi marcada por seu encontro com Brené Brown. Diante de uma plateia ávida por insights e revelações, essas duas vozes influentes nos fizeram mergulhar no tema da conexão humana e da vulnerabilidade em uma era digital em constante evolução.

“A qualidade de sua vida está diretamente ligada à qualidade de seus relacionamentos”, diz enfaticamente Perel, ressaltando que a busca por conexão é uma das principais preocupações em sua prática clínica, uma vez que o sentimento de solidão está cada vez mais à flor da pele na sociedade contemporânea.

Ela e Brown ressaltaram que, embora a tecnologia tenha transformado a forma como nos comunicamos, muitas vezes ela nos impede de nos envolvermos verdadeiramente com os outros.

Esther Perel e Brené Brown (Crédito: SXSW/ Rick Kern/ Getty Images)

Brown acrescentou que o uso excessivo de dispositivos móveis pode atuar como um "escudo de vulnerabilidade", impedindo-nos de nos conectar autenticamente. Também enfatizou a importância de sermos corajosos o suficiente para nos mostrarmos vulneráveis em nossas interações humanas, mesmo que isso signifique enfrentar o desconforto e o medo.

Brené compartilhou sua visão sobre a importância de reconhecer o privilégio de discutir a vulnerabilidade em um mundo marcado por iniquidades. Ela enfatizou como a vulnerabilidade é essencial para conectar-se com experiências como amor e pertencimento, mas reconheceu os desafios enfrentados por aqueles que vivem em um mundo permeado por racismo e homofobia. Ao final, manifestou seu desejo maior de que a vulnerabilidade possa se tornar um direito universal. 

Para Perel, vivemos uma era de "intimidade artificial" – tema de sua apresentação no festival do ano passado –, na qual as interações superficiais muitas vezes substituem as conexões genuínas. Brown acrescentou que o caminho alternativo está em cultivar relacionamentos autênticos e significativos.

embora a tecnologia tenha transformado a forma como nos comunicamos, muitas vezes ela nos impede de nos envolvermos verdadeiramente com os outros.

Ela também levantou a questão da crise de saúde mental que assola a sociedade, questionando se é uma resposta natural a situações desafiadoras ou uma crise.

As especialistas abordaram a importância da disponibilidade, de simplesmente estar presente para o outro em momentos de dor, reconhecendo que a presença empática nesses momentos pode mudar o rumo da história de alguém. 

Esse poderoso encontro entre Brené Brown e Esther Perel desafiou a audiência a questionar a natureza de suas próprias interações. À medida que navegamos por um mundo cada vez mais conectado digitalmente, suas palavras ressoam como um lembrete essencial da importância de cultivar relacionamentos genuínos e significativos.

O legado desse encontro vai ecoar muito além das paredes do SXSW, continuando a inspirar e provocar  aqueles que buscam conexões mais profundas e significativas. 

Esther Perel entrevistou o humorista Trevor Noah em seu podcast 'Where Should We Begin?' e deu entrevista para Brené Brown pelo podcast 'Unlocking US'. As conversas aconteceram no palco da Vox Media.


SOBRE A AUTORA

Carol Romano é consultora de inovação e psicanalista, cofundadora da consultoria Maker Brands com foco em innovation growth e wellbein... saiba mais