Precisamos aprender a pilotar um mundo que não vai desacelerar
Entre as suas transformações, está a inteligência artificial, que puxa esse processo como grande protagonista
Quando andamos em alta velocidade, a paisagem fica borrada. Em março de 2023, entrei em um carro em bastante movimento, pós-South by Southwest. A tal da "inteligência artificial generativa em todos os lugares" me deixou ainda mais acelerada, algo que todo mundo que trabalha diretamente com tecnologia em maior ou menor grau devia estar sentindo.
Compreender o potencial, a mecânica e os cenários possíveis, além de experimentar, implantar, evoluir, aprender e tentar o tempo todo, em ciclos contínuos, aprimorar a visão do que será o mundo com essa capacidade impressionante de inteligência expandida tem sido boa parte da minha agenda desde então.
Agora, em 2024, volto de Austin com um sentimento completamente diferente do susto que tomei há um ano. Retorno com menos dúvidas e mais certezas. A vista vai clareando.
Não sobre o todo, não a respeito da totalidade da humanidade, não acerca do mercado de trabalho em geral, mas em relação a mim e ao meu papel em um mundo que se reconfigura, se expande e se transforma todos os dias.
Alguns exemplos de frases e momentos do SXSW 2024 que me trouxeram mais clareza para pensar nesse cenário novo e como navegar nele:
Peter Deng, head do ChatGPT e vice-presidente de Consumer da OpenAI
"Acredito que não teremos no futuro empresas muito grandes. Serão mais companhias ao todo, porém menores, dada a capacidade de criação e execução individual potencializada pela IA”. Conhecendo e tendo experimentado o potencial de IA generativa na prática, me parece óbvia essa visão. Faremos muito mais com muito menos recursos e tempo.
Ian Beacraft, futurista e fundador da Signal and Cipher
"A IA reconfigura o sistema atual de trabalho, dando origem a uma nova forma de operar, automatizando processos e não a criatividade, abrindo espaço para atuarmos como generalistas criativos com as tarefas automatizadas e permitindo um trabalho mais dinâmico".
Observo que, a partir disso, um novo vocabulário se abre. Só de ele ter trazido o termo “generalistas criativos”, colocando todos nós no lugar que nos cabe nessa equação de futuro, já foi, para mim, uma enorme contribuição na construção do glossário sobre o novo jeito de operar no mundo que começamos a tatear.
William Hurley (Whurley), investidor de tecnologia, cientista da computação quântica e CEO da Strangeworks
"Apenas uma a cada mil pessoas no mundo trabalha com ciência. O mundo só será melhor se a equação humanidade + ciência + tecnologia se equilibrar. Precisamos incentivar jovens e crianças a serem sci-curious" – em português, uma espécie de cientista curioso.
Assim, ativo meu senso de urgência ao juntar isso com a frase de Elizabeth Bramson-Boudreau, CEO da MIT Technologies Review: "em pesquisa recente, descobrimos que menos americanos do que nunca acreditam que a ciência causa um bom impacto na sociedade."
Laurie Santos, psicanalista especialista em psicologia positiva
Ela apresentou insights sobre o papel da felicidade e da saúde mental no trabalho, fazendo, inclusive, uma correlação direta entre o tema e os lucros gerados. Ela dá ainda a seguinte resposta à audiência a respeito de como lidar com o medo das pessoas em relação ao impacto em seus empregos pela IA generativa: “não finja que elas não estão sentindo nada em relação a isso. Quando você reconhece as emoções, você pode usá-las no processo”. Que grande conselho!
Dessa maneira, tudo o que vivi durante 2023 se somou às visões do SXSW 2024, que me trouxeram vocabulário e conceitos e me ajudaram ainda a construir mais clareza mental. Acredito profundamente que não importa a quantidade de livros que você leu, os eventos que foi e os conceitos que estudou se isso não ajudar a clarear o seu próprio olhar.
ÉTICA E RESPONSABILIDADE
É por isso que, neste último ano, me interessei de forma bastante prática sobre ética e inteligência artificial. Entendi profundamente que precisamos cuidar direito do "como", ou seja, a forma que a tecnologia enxerga e endereça as suas problemáticas, podendo assim produzir algoritmos inclusivos e não replicadores do que fomos até aqui nas complexidades e nos desequilíbrios de poder e representatividade.
Nada trivial, mas para grandes problemas não existem respostas binárias, existem movimentos que transformam o estado das coisas, dando origem a novos contextos possíveis. Afinal, quem toma decisões e como isso muda contextos somos todos nós.
Por fim, é interessante reconhecer que me sinto hoje realmente mais capaz de dirigir “o carro” que mencionei
não importa a quantidade de livros que você leu, os eventos que foi e os conceitos que estudou se isso não ajudar a clarear o seu próprio olhar.
anteriormente. Claro, isso com toda a consciência de que não dá para controlar a velocidade que o mundo tem imposto, mas podemos conhecer os instrumentos e um pouco do mapa da estrada. Isso me torna uma motorista mais capaz, segura e com certa clareza do destino.
Um evento gigante como o SXSW é intenso e cheio de ruído, informação, interações sociais e trocas concentradas em um período de poucos dias. Em Austin, futuristas trouxeram visões complexas, psicólogos escancararam o impacto mental de tanta mudança e vimos exemplos práticos da tecnologia desmaterializando mercados.
Beacraft também nos trouxe que "no ritmo que conhecemos o mundo de hoje, até 2050 vamos experimentar ciclos de 100 anos de progresso a cada cinco anos".
Se você assumir que isso não tem o objetivo de nos assustar, mas de colocar luz no caminho e nos ensinar como integrar as novidades que, ao longo do tempo, trouxemos com o aprendizado do dia a dia, vai ficar mais fácil seguir nessa autoestrada.
Assim, vamos todos poder dirigir melhor, com menos riscos de capotar empresas, times, projetos e – por que não? – andar sem medo em carros autônomos no futuro.
