“Novas pandemias são inevitáveis”

Enquanto muitos discutem como o mundo será em 2050, especialistas alertam sobre um perigo do presente: as novas pandemias

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Camila de Lira 3 minutos de leitura

No South By Southwest (SXSW), festival de inovação que acontece em Austin, as palestras que apontam as tendências que vão moldar o futuro têm filas quilométricas e lugares disputados. Mas quando o tema é o que pode ser feito hoje para que haja um futuro, o entusiasmo diminui, as filas desaparecem e o público é pequeno.

Foi em uma sala quase vazia que especialistas trataram sobre um tema crucial: o perigo das próximas pandemias – e o que pode ser feito hoje para evitá-las.

A constatação foi feita por Julie Gerberding, especialista em infectologia, ex-diretora do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) e Jim Weiss, CEO da healthtech Real Chemistry. 

"Novas pandemias são inevitáveis. É ingênuo pensar que a Covid-19 foi uma experiência única desse século", diz Julie. A médica foi uma das primeiras especialistas a tratar pacientes com o vírus do HIV em São Francisco, nos EUA, ao longo dos anos 1980. Também ajudou a prevenir  a explosão de doenças virais como a MERS e o Ebola.

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Dois fatores apoiam o raciocínio de Julie: os spillovers e a crise climática. Os spillovers (transbordamento), fenômeno que acontece quando os vírus passam de animais para humanos, têm ocorrido com mais frequência. O aumento das cidades, a redução de áreas florestais e até o ecoturismo ampliaram o contato que humanos têm com os animais e seus microrganismos.

O coronavírus, por exemplo, foi originado em morcegos. Junto com ratos e mosquitos, os bichinhos que são símbolo de Austin carregam patógenos que podem atingir humanos. A explicação, segundo Julie, está no fato de os morcegos serem os únicos mamíferos que voam.

O ato de voar estressa tanto o sistema do mamífero que eles passaram por evolução para criar imunidade a uma série de microrganismos. O problema é que os humanos não têm essa mesma imunidade.

Prevenir novos vírus e possíveis doenças requer a análise de grandes quantidades de dados.

Segundo Julie, há pouca pesquisa voltada para monitorar os vírus e os movimentos desses animais. Dessa forma, é difícil prever quando e quais microrganismos podem virar o próximo coronavírus. "Não conhecemos nem mesmo todos os vírus presentes no corpo humano", diz a médica.

A mudança climática é outro fator de preocupação. Nesse sentido, Julie usa o exemplo da epidemia de dengue no Brasil. O efeito do El Niño piorado nos últimos meses aumentou a temperatura no país, bem como elevou o volume de chuvas. A combinação criou o ambiente para os mosquitos Aedes Aegypt se espalharem de maneira incontrolável.

E A MÁSCARA?

Prevenir novos vírus e possíveis doenças requer a análise de grandes quantidades de dados. Para isso, tecnologias como inteligência artificial serão mais do que bem-vindas nessa batalha. "IA será essencial para encararmos novos cenários de epidemia", diz Weiss, da Real Chemistry.

Outra questão diz respeito fica à própria base de dados usada. É preciso cooperação internacional para que pesquisadores e cientistas de todo o mundo consigam chegar a uma base de informação em tempo real.

A ex-diretora do CDC, que trabalhou ativamente para evitar que o vírus Ebola se espalhasse, diz que se trata também de saber como organizar os trabalhos hiperlocais e as forças internacionais.

O aumento das cidades, a redução de florestas e até o ecoturismo ampliaram o contato que humanos têm com os animais e seus microrganismos.

"É bom saber que teremos tecnologia para chegar em Marte, mas.. E a tecnologia para monitorar casos de epidemia em partes remotas do planeta?", questionou Weiss.

Algumas formas de lutar contra epidemias e pandemias não dependem de tendências tecnológicas criadas para funcionar em 2050. Às vezes, é uma questão de saber usar o que já se tem. "A máscara é uma tecnologia que já existe. É só usá-la", diz Weiss. Mesmo na sala com menos de 30 pessoas, apenas duas estavam usando máscara.

Essa não foi a única bronca que Weiss deu no público. A segunda foi para a falta de pessoas da área de tecnologia dispostas a conversar sobre como usar sistemas hiperinteligentes demonstrados no festival para, de fato, pensar em saúde pública. 

"Esperava encontrar e conversar com mais futuristas e especialistas em tecnologia para tratar sobre o assunto", lamentou.


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais