Uma mensagem anti-IA e uma convocação do SXSW 2024
Diretores do filme "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" explicam a ansiedade da Era da IA e perguntam que história queremos contar agora
Em meio ao frenesi tecnológico que define nossa era, os Daniels, coletivo dos diretores e criadores do aclamado "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" (Daniel Kwan e Daniel Scheinert) trouxeram uma impactante mensagem “anti-IA" no festival South by Southwest. Abusando de referências pop no ritmo frenético que marca o filme, o duo lançou um olhar crítico sobre o que está por trás da crescente ansiedade e inquietação em torno da ubiquidade da inteligência artificial nas nossas vidas.
Vamos imaginar, por um momento, um mundo onde a IA é um espelho, refletindo nossas maiores virtudes e vícios. Esse foi o cenário pintado pelos Daniels na palestra – uma mistura cativante de humor, sabedoria e advertência. Não consigo deixar de pensar que não estamos preparados para o reflexo que veremos.
A era da IA, conforme discutida por Kwan, promete maravilhas – da cura do câncer ao combate às mudanças climáticas. Mas à medida que cruzamos esta nova fronteira, devemos estar cientes da história que escolhemos contar sobre nós mesmos neste contexto. Será uma narrativa que perpetua desigualdades e insatisfação?
Para os Daniels, somos nós que criamos a história de que o nosso valor é definido pelo nosso trabalho. “Quando a gente só vale o que faz, somos seres sem um valor intrínseco, por isso é tão difícil encontrar satisfação”, disse Kwan. "O sistema funciona melhor quando não estamos satisfeitos”. E é essa a fonte da angústia.
Para estruturar a mensagem, eles recorreram ao Ikigai. O termo – que significa razão de viver, em japonês – representa a interseção entre o que você sabe fazer, o que você ama fazer, aquilo que te pagam para fazer e o que o mundo precisa.
Durante a apresentação, os Daniels costuraram cada uma dessas frentes com experiências pessoais ao contar sobre os motivos que os levaram a fazer o filme.
Retomando, na história que contamos, o nosso valor está naquilo que fazemos. “O que nos traz de volta à IA”.
Essa nova história que vamos contar, para justificar entrar nessa nova era, deve partir do ponto de que a IA, em sua essência, é neutra. É um espelho mágico, oferecendo o que desejamos ver, mas também refletindo, sem filtros, as fendas em nossa sociedade.
O perigo não reside na tecnologia em si, mas na maneira como escolhemos usá-la – uma lição amarga que aprendemos
Para os Daniels, somos nós que criamos a história de que o nosso valor é definido pelo nosso trabalho.
com a era das redes sociais. Os benefícios e oportunidades das redes são inegáveis, assim como suas consequências: aprofundaram divisões, extremismos, polarização, propagaram desinformação e deterioraram as relações humanas.
Assim como os paradoxos harmoniosos de seu filme, os Daniels sugerem que a chave para uma coexistência saudável com a IA reside no equilíbrio e na intenção consciente.
Não se trata de rejeitar a tecnologia, mas de abraçá-la com propósito e reflexão. Devemos perguntar não apenas como a IA pode ser usada, mas por que e para quê. Essa tecnologia deve ser uma extensão de nossos valores mais elevados, não um substituto para eles.
A transição para esta nova era requer uma mudança cultural – da gratidão pela inteligência artificial à compreensão do seu impacto real em nossas vidas cotidianas. É preciso pensar em como proteger as relações humanas, aquelas moldadas pela empatia, gentileza, compreensão e conexão genuína.
No encerramento do SXSW, o co-presidente e organizador do festival, Hugh Forrest, ecoou os Daniels. “Não podemos cometer com a IA os mesmos erros que cometemos com as redes sociais”.
Talvez tenha sido essa a mensagem central daqueles dias em Austin. Estamos diante da oportunidade de escrever uma nova história. Ela pode ser de redenção e renovação, também pode ser de repetição dos erros do passado.
Nesta interseção de humanidade e inovação, "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" não é apenas uma narrativa sobre o multiverso da existência, é uma convocação.