Droga: o iceberg da publicidade está encolhendo

O criativo, fundador da rede de agências Droga5 e hoje CEO da Accenture Song, se diz otimista com o Brasil e com o futuro da publicidade

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Claudia W. Penteado 12 minutos de leitura

Imagine ser considerado a pessoa mais criativa do mundo. O australiano David Droga conseguiu a façanha ao construir a mais interessante e cobiçada rede de agências de publicidade do planeta, a Droga 5.

Quando menos se esperava, ele a vendeu para uma empresa improvável: a Accenture, a mais bem-sucedida consultoria do mundo tech, que o mundo da publicidade  ainda olhava com algum desdém. Afinal, a indústria da publicidade era detentora de um asset que nenhuma consultoria conseguiam entregar: a criatividade, as big ideas.

O tempo mostrou que adicionar criatividade ao diversificado caldeirão de experiências na jornada de compra das pessoas tornou-se uma fórmula potente e cobiçada por qualquer empresa decidida a sobreviver ao excesso de ofertas e escolhas do mundo atual.

Pressionado por remunerações cada vez mais reduzidas, pela necessidade de entregar cada vez mais e com a sensação de estar ficando de fora do verdadeiro baile, Droga não só vendeu a Droga5 como, pouco tempo depois, aceitou um convite inusitado da CEO da Accenture, Julie Sweet: presidir a então Accenture Interactive, que se chamaria a partir dali Accenture Song.

O convite o fez perceber que todo o comprometimento com a criatividade como vetor de negócios era realmente sério. Aceitou e, cerca de um ano depois, diz que este é apenas o começo.

Fast Company Brasil Que balanço você faz deste primeiro ano à frente da Accenture Song?

David Droga – Não quero passar por cima das conquistas que fizemos, mas também não quero me deliciar com elas porque sinto que estamos apenas no começo de onde podemos ir. A receita (a Accenture Song saiu de faturamento de US$ 12 bilhões em 2021 e prevê faturar US$ 16 bilhões este ano) nos dá espaço para respirar.

O que mais me entusiasma é que começa a haver uma crença coletiva e uma compreensão da oportunidade que temos pela frente. É uma empresa vasta, com habilidades e capacidades profundas, mas precisa de especialistas, pensadores e pessoas com ambição e humanidade.

Aqueles que já estavam aqui receberam mais oxigênio e luz do sol, e muitos outros se juntaram a nós. Mas o que celebro nesta fase é que estamos indo na direção certa. Me importa mais para onde estamos indo do que onde estamos.

 A Accenture como um todo provavelmente pensa que estou indo rápido demais. Eu mesmo, do meu lado humano e com a minha personalidade, acho que as coisas estão indo muito devagar. E a verdade deve estar em algum ponto entre essas duas visões.

FC Brasil – O que impulsiona a sua carreira hoje?

David Droga – Sempre fui conduzido por impactos positivos. Adoro a ideia de criar coisas e ver como elas se manifestam e fazem a diferença. É por isso que, como uma pessoa criativa, começando como redator e depois como diretor de criação ou como presidente ou o que quer que seja, penso apenas em ser capaz de construir algo, ser capaz de contribuir, e não apenas seguir movimentos.

Como uma pessoa criativa e com imaginação, quero me colocar em uma situação na qual esteja aprendendo e contribuindo.  Minha carreira é construída em torno disso. Isso é o que me levou para vários lugares do mundo, me levou a desafios maiores.

Tenho muita sorte de ter trabalhado com pessoas excelentes e tido muito sucesso ao longo do caminho. Não importa o quão bem-sucedido eu me tornasse, sempre mantive a curiosidade.  O que mais podemos fazer? Não estou buscando o sucesso, estou buscando relevância e impacto.

FC Brasil – Você é frequentemente rotulado como a pessoa mais criativa do mundo. Como se sente em relação a isso?

David Droga – Bem, prefiro ser isso do que a pessoa menos criativa do mundo.  Acho que isso ajuda as pessoas a terem um pouco mais de fé no que faço. Elas acreditam, e isso é uma coisa boa. Me faz querer fazer mais para provar que mereço o elogio, se é que isso faz algum sentido.

Não quero me sentir vivendo de glórias passadas. Quero receber elogios pelas coisas certas, de maneira que se estabeleça um padrão. Todo mundo quer que suas ideias sejam reconhecidas ou apreciadas e que suas ramificações sejam sísmicas. Mas eu gosto de provar. Gosto de provar o poder da criatividade.

A quanto mais salas de diretoria eu puder levar isso e em quanto mais sociedades eu puder espalhar isso… É muito, muito gratificante.

Não quero apenas viver na minha imaginação. Quero que minha imaginação se torne tangível. Esse é o meu objetivo. Minha missão é pegar a loucura, as ambições e a imaginação da minha cabeça e transformá-las em algo real.

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FC Brasil – Você sente que já escalou a criatividade dentro da Accenture?

David Droga – Sim, definitivamente. Eles tiveram que ter coragem e bravura para me nomear e permitir que eu fizesse isso. Acho que muitas pessoas entendem a necessidade da criatividade como parceira da tecnologia e como elas se complementam. E a Accenture toca e influencia mais o mundo dos negócios do que provavelmente qualquer empresa hoje.

Há uma coisa complementar entre a tecnologia e a criatividade, mas estão sempre tentando colocá-las como campos opostos. Se você gosta de tecnologia, então a criatividade é frívola. Ou, se você gosta de criatividade, então a tecnologia é sufocante.

Na verdade, não. Ambos precisam um do outro. A tecnologia é uma ferramenta e a criatividade é uma possibilidade. Junte-os, faça coisas extraordinárias.

Quero deixar bem claro que existem pessoas extraordinárias, talentosas e criativas, que estavam na Song muito antes de eu chegar. Então, não é como se eu tivesse entrado e acendido as luzes. Em alguns casos, só tinha que lançar um pouco mais de luz, dando um pouco mais de proteção, clareza, visão e foco para essas pessoas.

FC Brasil – Sobre este novo ecossistema, que vai muito além da publicidade e do marketing, quais são os grandes desafios enfrentados por clientes? Que novos problemas estão na sua mesa hoje?

David Droga – Muitos clientes percebem que precisam passar por transformações como indústria ou negócio, mas não estão realmente preparados para fazer o que é necessário. Muitas corporações ficam reféns de seus resultados trimestrais. Então, só precisam ir longe o suficiente para passar por este trimestre ou sobreviver à administração atual.

As pessoas não se dão a liberdade de pensar para onde deveriam ir, qual é o futuro da indústria, o futuro do relacionamento com clientes e consumidores e como chegaremos lá. Às vezes, será  preciso esquecer os manuais do passado e as certezas que levaram a maioria das indústrias até onde estão agora.

Consumidores, expectativas, comportamentos mudaram a tecnologia. Se você está falando sobre Web3 ou IA generativa, tudo está se transformando, tudo está desmoronando. É preciso abraçar o novo. É isso que mais preocupa. Há muita ansiedade na sala de reuniões. Mas muita gente não tem coragem de fazer as parcerias certas para permitir que a mudança aconteça.

FC Brasil – O que foi mais desafiador nos últimos tempos para você?

David Droga – Tive muitos desafios. Eu não tinha um chefe há 20 anos, por exemplo. Isso é um desafio.  Estou brincando, mas, honestamente, estou me acostumando com um ritmo diferente, com uma escala diferente para as coisas, bem diferente de quando bastava ficar no alto de uma escada e falar para 800 pessoas, na Droga5.

Existem falhas em qualquer empresa. É nossa capacidade de entendê-las, reconhecê-las e abordá-las que nos tornará melhores. Nunca vou fingir que não estamos cometendo erros. Toda empresa comete erros e eu cometo muitos erros, mas não tenho vergonha de assumir a responsabilidade por eles e corrigi-los. Desde que não cometamos os mesmos erros. Esta é a chave. Quero que nosso trabalho seja sempre o melhor.

Diferente da Droga5, onde eu via cada peça e orquestrava cada parte do trabalho, aqui estou tentando definir parâmetros e garantir que estamos dizendo a mesma coisa – e, principalmente, entendendo o que queremos dizer. É preciso que todos entendam qual é a ambição.

FC Brasil – Como foi reunir mais de 40 agências sob o guarda-chuva da Accenture Song, em alguns casos extinguindo marcas com longas histórias?

David Droga – Era absolutamente a coisa certa a fazer. Eu realmente gosto do nome Song, sinto que é um ponto de partida para todos. Obviamente, eu tinha empatia por todas as marcas que tive que aposentar, mas todos fizeram esse acordo para fazer parte disso, porque acreditam em algo maior e melhor. A melhor coisa que se pode fazer para homenagear todos esses talentos é dar às pessoas a chance de participar da arquitetura de algo muito maior.

FC Brasil – O conceito Lifecentricv é muito interessante e hoje norteia as ações da Accenture Song. Pode falar um pouco sobre ele?

David Droga – As empresas e a indústria gostam de olhar para os consumidores e classificá-los: como pensam e como operam. Porque é mais fácil, mais previsível. Não gostam de olhar para as pessoas como multi dimensionais, com muitas forças diferentes atuando em suas vidas.

David Droga recebe um Leão em Cannes pelo conjunto da sua obra (Crédito: Divulgação)

Você não é apenas um.Não é apenas uma jornalista, talvez você seja cuidadora da sua mãe, talvez tenha filhos, talvez seja fanática por softball, talvez seja vegana, talvez você seja politicamente ativa, talvez uma ambientalista, ou talvez tenha medo de tecnologia.

Há tantas coisas que dimensionam quem somos! Acho que marcas e corporações precisam olhar para o consumidor dessa maneira e entender o que os influencia. Trata-se tanto de ter dados quanto de compreender, de prever para onde as coisas podem ir e não ser pego de surpresa.

Crescemos em um cenário em que  todos eram centrados no produto. Fazíamos o produto e estava tudo bem. Então veio a próxima etapa,  esqueça o produto, se preocupe com o consumidor, o consumidor sempre tem razão. Queremos assumir uma força diferente, maior, alguns passos à frente disso.

Nosso trabalho é tornar nossos clientes relevantes, protegê-los e ajudá-los a crescer em certeza, em relevância. Então, é preciso ter uma abertura mais ampla. E qual é a essência da criatividade? A criatividade é sobre o que poderia ser e deveria ser, não o que é e será. Há uma grande diferença aí.

A maioria das corporações opera de acordo com o que elas acham que é e vai acontecer. Já os criativos pensam sobre o que poderia acontecer e o que deveria acontecer. E isso é muito mais emocionante. É preciso um pouco de coragem, um pouco de ingenuidade, um pouco de teimosia, um pouco de arrogância, mas é mais divertido.

FC Brasil – Qual a sua visão do Brasil, em termos de oportunidades?

David Droga – Estou muito otimista e vejo muitas oportunidades. Não sou da América do Norte, e quando você vem de um mercado que não tem a mesma escala, sabe que precisa ser um pouco mais implacável, se mover em um ritmo diferente.

Isso gera um tipo diferente de empreendedor, uma espécie diferente de criativo. Você não tem garantias. O brasileiro pensa e manobra muito bem. A população é enorme, a economia está crescendo. O Brasil tem histórico de fazer coisas realmente interessantes e estou animado com isso. Sempre gostei de trabalhar com criativos e pensadores brasileiros.

FC Brasil – Marketing e sustentabilidade são palavras que podem caminhar juntas?

David Droga – Muita gente que fala sobre sustentabilidade o faz só por motivos de marketing. Mas, se as luzes se apagassem, provavelmente escolheria o marketing e não a sustentabilidade. No entanto, à medida que a transparência se torna mais comum e as empresas são responsabilizadas por suas ações, a sustentabilidade deve se tornar uma parte importante do marketing.

As pessoas agora olham para as marcas com as quais se associam e se cercam para ter uma influência maior em suas vidas e moldar as comunidades em que vivem. Elas se preocupam cada vez mais com o  modo como as empresas lidam com o meio ambiente, os empregos e seu histórico com fornecedores.

Mas sustentabilidade é privilégio só de quem tem dinheiro, enquanto você não está lutando para sustentar a sua família. Portanto, é preciso encontrar o meio termo entre fazer algo massivo e fazer a coisa certa.

FC Brasil – Qual é o futuro da publicidade?

David Droga – Se olharmos apenas para o que chamamos de mundo da publicidade, com esta única lente, acho que é um mundo que vai se dissipar lentamente, até se tornar marginalizado. No  entanto, se olharmos para o conjunto de habilidades que residem nele, conectando-o a mais coisas, as possibilidades são imensas.

O poder da criatividade na estratégia definitivamente nunca vai desaparecer, e a publicidade é apenas uma parte disso. É preciso embarcar, ou simplesmente descobrirão que o iceberg está encolhendo e encolhendo, e vai se tornar uma ilha. O que eu fiz foi justamente conectar o melhor de nós a uma geografia muito maior.

FC Brasil – Como você enxerga o futuro da criatividade, considerando que há concorrentes fortes que, especula-se, poderão se tornar mais criativos do que nós, como as ferramentas de IA?

David Droga – A criatividade sempre será relevante e a verdadeira criatividade nunca vai desaparecer. A mediocridade e o genérico, tudo o que fica no meio do caminho, isso sim, vai desaparecer. As ferramentas transformam. A criatividade é líquida, e ela encontrará um caminho para se sobrepor e influenciar a inteligência artificial do ChatGPT.

Criatividade é sobre conexões entre pessoas, é sobre humanidade. Há uma quantidade enorme de pessoas nada criativas, preguiçosas e estereotipadas, que o ChatGPT pode facilmente superar. Não tenho medo disso.

Mas as melhores coisas são construídas com base em insights, inovações, saltos lógicos e irregularidades e todo tipo de imperfeição que as torna criativamente perfeitas – é a essência absoluta do craft. Isso nunca vai acabar. A criatividade sempre será uma força, um cão guia.

FC Brasil – Como você se mantém inspirado? Como cultiva sua própria criatividade?

David Droga – Sou apenas alguém que acredita em fazer coisas e contribuir. Acredito no potencial das coisas, e potencial é uma das minhas palavras favoritas. É emocionante saber que há possibilidades. Saber que uma ideia pode transformar, fazer diferença. Gosto de olhar para pessoas e coisas e pensar não naquilo que são, mas no que poderiam ser.

Em geral, me cerco de natureza. Tenho uma fazenda e tento passar tempo lá. Cresci em um parque nacional, amo árvores, então me cerco desse tipo de ambiente. Tenho quatro filhos lindos, loucos, que me mantém com os pés no chão e não estão nem um pouco impressionados com as minhas conquistas. Isso me faz querer fazer mais.


SOBRE A AUTORA

Claudia W. Penteado é jornalista e escreve sobre criatividade e inovação. saiba mais