Em um evento de mercado, o diálogo se faz necessário

Crédito: Fast Company Brasil

Ian Black 3 minutos de leitura

Meu Web Summit Rio 2023 foi particularmente especial. Fui impactado pelas apresentações espetaculares de Dilma Campos, Mari Gutheil, Gustavo Aguiar, Juliana Biasi, Cleber Paradela, Tulio Custódio, Paula Trabulsi, Grazi Mendes, Carol Zaine e grande elenco. Talvez você não encontre esses nomes na programação oficial do evento, mas eu sou testemunha ocular. Elas aconteceram bem na minha frente. No final das contas, meu primeiro Web Summit serviu para entender que as melhores e mais inspiradoras falas aconteceram nas trocas que fiz com as pessoas que eu já conhecia pela internet ou que acabara de conhecer pelas mais diversas razões. E nesses encontros, que não foram cronometrados ou roteirizados, que a autenticidade se manifestou nas trocas pessoais.

Em termos de programação oficial, pouquíssima novidade e inspiração nas apresentações relâmpagos e nos painéis enfadonhos (sério, já não seria hora de acabarmos com esse modelo, restringindo palcos para entrevistas e keynotes e abrindo espaços colaborativos com discussões horizontais propostas em tempo real a exemplo das “desconferências”?). Me agradaram os temas sérios, como o abordado por Meredith Whittaker, presidente do Signal, que talvez tenha feita a melhor apresentação (no caso dela, uma entrevista para o jornalista Michael Isikoff), onde ela falou abertamente as questões de regulação do uso de inteligência artificial e os lobby das big tech. Foi um tema mais do que apropriado para a semana em que o PL 2630 foi o assunto mais importante do mundo da tecnologia.

Kondzilla também trouxe questões importantes sobre a necessidade de investimento em jovens talentos que revolucionaram a música através do acesso às tecnologias. Essa questão dos acessos às tecnologias pelas populações mais vulneráveis foi uma das questões que mais me incomodou no evento. Confesso  uma preocupação com esse exagero nas abordagens das tecnologias como meio para geração de negócios.

É como se tudo o que estivesse sendo feito de interessante fossem dispositivos de potencializar empresas, mas nunca as pessoas. Iniciativas que brilharam na área de startups como a Genial Care, que busca melhorar a vida das famílias com pessoas autistas, ou a Juntos, que consegue oferecer meios para que pessoas possam ter mais possibilidades de pagar pela energia elétrica de forma convencional, não são espelhadas nos palcos. Ainda estamos muito longe de termos visibilidade para as abordagens tecnológicas para os ativismos ou serviços públicos. Não me espanta a organização pecar em questões básicas de diversidade e acessibilidade (o que falo mais no final).

Em geral, o Web Summit matou a curiosidade de quem, como eu, tinha vontade de conhecer a edição européia. Torço pelo sucesso do evento em terras brasileiras, mas para isso é importante que haja compromissos com aperfeiçoamentos e ajustes para que a atenção para a tecnologia presente nos discursos também se manifeste em questões que geraram muitos incômodos. 

Em pleno 2023 me soa incompreensível e muitas vezes inadmissível que um evento que se proponha a representar a vanguarda da inovação tecnológica peque em questões importantes como mobilidade, acessibilidade e diversidade. Colocar um evento dessa magnitude numa região carente de transporte público é causador de transtornos em termos de trânsito e principalmente de emissão de poluentes.

A questão da acessibilidade foi outro ponto, uma vez que não vi coisas básicas como tradução em libras ou uma solução amigável para o fato de que as apresentações nos palcos oficiais eram obrigatoriamente em inglês. Duvido demais que não haja uma solução adequada para isso, mesmo que utilizando os dispositivos pessoais dos visitantes. Por último e não menos importante foi a questão da diversidade.

Centenas de palestrantes e quantidade ínfima de pessoas não homens brancos beira o ofensivo. Ainda houve casos em que uma mulher trans foi hostilizada na revista da entrada e expulsa do banheiro feminino horas depois. Novamente, todo mundo falando de diversidade, equidade e inclusão há anos e a organização não se preparou o suficiente para proporcionar experiências seguras para todas as pessoas. Houve uma conversa posterior com uma das pessoas responsáveis pela organização, que se mostrou sensível e aberta a encontrar soluções. Contudo, fica a questão sobre o incalculável custo emocional de pessoas de grupos diversos e minorias para que grandes empresas adquiram inteligência e orientação gratuita de DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão).


SOBRE O AUTOR

Ian Black é fundador da New Vegas. saiba mais