Será que os alimentos frescos que consumimos realmente nos alimentam?

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Qualidade na alimentação é fundamental para a boa saúde. Nesse quesito, os alimentos orgânicos sempre se destacaram com a proposta de entrega de mais nutrientes e sabor do que os produzidos em larga escala. Preço mais elevado e poucas opções de acesso aos produtos em grandes centros urbanos, fizeram com que o consumo de produtos orgânicos fosse considerado quase que uma excentricidade, hábitos de consumidores alternativos, naturalistas, hype. 

Isso já está mudando e aceleradamente. O tempo em que produtos orgânicos eram acessíveis em quantidade, qualidade e preço para uma pequena parcela de consumidores está ficando para trás. Empresas de foodtech brasileiras têm investido há alguns anos em novas tecnologias que vão do campo até a entrega ao consumidor final, e já colhem bons resultados. A oferta foi ampliada para novos públicos, atendendo a tendência de consumo de produtos mais saudáveis.

Dario Dal Piaz, sócio MercadoOrganico.com, na colheita de morangos orgânicos (Crédito: Divulgação)

Uma das empresas foodtech pioneiras atuando neste segmento é a MercadoOrganico.com, um marketplace criado há três anos por Dario Dal Piaz, executivo com muita experiência de trabalhos em empresas de tecnologia. Ele viu a oportunidade de estruturar um negócio de vendas online que aproxima o produtor rural de produtos orgânicos ao consumidor. Desta forma, garantindo maior valor de venda para o produtor e preço final mais acessível ao consumidor. Adicionalmente, promovendo também o fortalecimento da produção do pequeno produtor rural, que representa mais de 60% dos alimentos que chegam às nossas mesas. Tudo isso apoiado na premissa econômica de redução de custos pela desintermediação da rede de distribuição e de vendas de alimentos.

“A grande quantidade de intermediários nas vendas de produtos orgânicos gera um custo adicional ao produto que pode ser evitado com a venda online. Hoje conseguimos aumentar a oferta de produtos no mercado, com preços bem acessíveis”, explica Dario. Segundo ele, isso ampliará a fidelização de mais consumidores que buscam um alimento diferenciado em termos de qualidade de sabor e nutrientes. Esta é a equação básica para fortalecer a atividade agrícola familiar, aumentando a produção de alimentos com melhor qualidade e com valores mais acessíveis.

A MercadoOrganico.com se cercou de todos os cuidados junto às empresas e entidades certificadoras de produtos orgânicos para garantir que os consumidores tivessem a garantia de procedência dos produtos. Investiu também em transporte próprio e refrigerado para a coleta de todos os produtos no campo e em estrutura de estoque com ambientes controlados em um depósito nas proximidades do Ceagesp, em São Paulo. “Quando começamos a apresentar aos produtores de orgânicos nossa proposta de venda online dos produtos aos consumidores finais e como eles poderiam obter melhor renda, víamos alguns produtores muito emocionados na plateia. Entenderam que estávamos trazendo uma grande oportunidade para as atividades deles e que teriam melhor remuneração pelo árduo trabalho que realizam”, comenta Dário. 

Os produtores que atuam no marketplace têm a opção de inserir os produtos disponíveis na plataforma, facilitando a oferta aos consumidores que sabem que receberão seus produtos sempre frescos, recém colhidos ou fabricados. Isso ajuda a reduzir as perdas de alimentos entre o campo e o consumidor final, que é um dos grandes problemas mundiais no ciclo de alimentação.

A loja online trabalha somente com produtos orgânicos. Oferece uma grande quantidade de produtos e a opção de assinatura de cestas de produtos incluindo itens com compras recorrentes. Esta facilidade permite o planejamento e a previsibilidade de produção para o agricultor e a logística dos produtos, reduzindo custos e perdas.

(Crédito: Mercado Orgânico)

A empresa criou um laboratório próprio para o cultivo de alimentos orgânicos em um sítio localizado em Atibaia, SP, onde aplicou diversas inovações tecnológicas para o acompanhamento e aferição de todo o processo de plantio e manejo de frutas e hortaliças. A experiência resultou em melhor produtividade e está sendo repassada em cursos oferecidos aos produtores rurais.

MERCADO CRESCENTE, IMPULSIONADO PELA PANDEMIA 

A pandemia ampliou a conscientização sobre necessidade de consumir alimentos com qualidade. O mercado de produtos orgânicos embarcou nesta tendência e cresce de forma acelerada, principalmente nos grandes centros urbanos. As vendas do MercadoOrganico.com, por exemplo, crescem a base de dois dígitos percentuais ao mês.

A Liv Up, foodtech atuante no mercado nacional, ganhou também muita tração neste período. Antes concentrando sua atividade na venda de refeições prontas e que já usavam muitos produtos orgânicos, ampliou sua atividade criando um canal de vendas ao consumidor final de alimentos frescos.

A empresa teve como uma das motivações ajudar a dar vazão aos produtos de seus fornecedores que tiveram suas vendas muito prejudicadas na pandemia. “O fechamento e redução das atividades de hotéis e restaurantes impactou demais toda a atividade dos pequenos produtores agrícolas. Vimos que poderíamos dar suporte aos produtores e ao mesmo tempo abrir uma nova frente de relacionamento com nossos clientes com a oferta de produtos frescos e com qualidade”, explica Henrique Castellani, um dos fundadores da empresa. 

Após uma breve fase de testes do modelo de negócios na empresa, a empresa se cercou de seus principais fornecedores de produtos orgânicos e estabeleceu uma parceria de negócios. Esta relação permitiu a eles a previsibilidade do negócio, algo que antes não ocorria. 

(Crédito: Liv Up)

Fundada em 2016, a foodtech tem como propósito conectar as pessoas com a comida boa de verdade. E para isso, criou um sistema alimentar mais inteligente e eficiente, que tem no relacionamento e desenvolvimento da agricultura familiar um dos seus mais importantes pilares.

A lógica é simples: para promover uma alimentação saudável para cada vez mais pessoas, a Liv Up precisou desenvolver uma rede de agricultores parceiros e se comprometeu em aumentar a produtividade. Para tanto, promoveu acesso à tecnologia, injetou conhecimento técnico capaz de melhorar a eficiência, deu acesso a crédito, planejou em conjunto a demanda, o plantio, a colheita e toda a estrutura logística para levar essa comida até a mesa do consumidor. Lógica simples, operação complexa. 

Com isso, a startup, que faturou R$100 milhões em 2020 e já cresceu o equivalente a 100 vezes no acumulado de cinco anos, atualmente compra cerca de 100 toneladas de orgânicos todos os meses. Garante com isso uma renda média de R$15 mil por mês para cada família parceira. Um expressivo aumento na renda do agricultor comparando com a média nacional.

Para manter a saúde financeira do parceiro, a Liv Up nunca é responsável por 100% da produção do agricultor. “Uma das inovações do nosso modelo foi adotar o plantio dedicado. Planejamos, junto com as famílias, o plantio e colheita de um percentual de suas terras. Com isso, compartilhamos a ideia, tão importante para o empreendedor, de que é essencial garantir diversas fontes de renda. Assim, quando uma delas falhar, há outros parceiros que garantem a rentabilidade do negócio”, explica Castellani.

O modelo de atuação da Liv Up permite ao pequeno produtor rural se organizar e perceber que seu negócio evolui, de forma sustentada. O que ajuda no crescimento e sustentabilidade do negócio de seus fornecedores parceiros.

(Crédito: Liv Up)

NOVAS TECNOLOGIAS MELHORAM A ECONOMIA NA AGRICULTURA FAMILIAR 

A FAO (Food and Agriculture Organization) ligada à ONU, tem entre suas prioridades a fixação do pequeno produtor rural no campo por entender a relevância no ecossistema de produção de alimentos no mundo. Somente no Brasil, a agricultura familiar gera cerca de 10 milhões de empregos, ainda com enorme potencial de crescimento produtivo e econômico. Esta é mais uma das prioridades para acabar com a fome mundial que consta nas Metas de Desenvolvimento Sustentável (SDG). E neste quesito, foodtechs como a Liv Up e MercadoOrganico.com realizam bem esse papel.

Uma entrevista do ex-secretário de Agricultura e Desenvolvimento Rural do Distrito Federal, Argileu Martins da Silva, concedida ao jornal Correio Brasiliense, em setembro de 2020, nos dá um panorama das dificuldades e gaps existentes nesse setor. De acordo com o secretário, mais de 2 milhões de famílias agricultoras — número que representa 42% dos estabelecimentos rurais que comercializam seus produtos — têm um valor anual de produção de apenas R$ 5 mil. Dividida pelos meses, a renda familiar é de pouco mais de R$ 400, menos de um salário-mínimo. 

Grande parte disso se dá ao fato de que, segundo o Censo Agro 2017, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há uma baixíssima escolaridade na agricultura familiar: 21% dos produtores brasileiros não sabem ler nem escrever; 15%, nunca frequentaram a escola; e 43% têm até o ensino fundamental. 

Como a tecnologia é um fator preponderante para aumentar a produtividade, o conhecimento, a conectividade e o uso de ferramentas digitais definem a inclusão ou a exclusão de produtores rurais no processo. Com isso, a multiplicação de soluções, novos modelos de atuação, planejamento e produção para o setor, tem atraído os olhos de investidores do mundo inteiro. As foodtechs, que saíram na frente e enxergaram a possibilidade de criar um sistema que apoie esses produtores, têm assumido o protagonismo dessa mudança de mindset

“Fomentar a agricultura familiar, levar acesso a conhecimento, capital e novas tecnologias é uma forma de impulsionar um setor de importância fundamental para o Brasil e enorme potencial reprimido”, conta Castellani, da Liv Up, uma das foodtechs que abraçaram este desafio.

QUALIDADE DE NUTRIENTES ENTREGUES PELOS PRODUTOS ORGÂNICOS FAZ A DIFERENÇA NA SAÚDE? ESTA DISCUSSÃO PODE TER FIM 

O que mais encontramos pelo mercado são os amplos debates e controvérsias sobre o tema. O mercado está inundado de estudos que discutem a quantidade de nutrientes contidos nos produtos orgânicos e a real eficácia para a saúde humana, em comparação com os produzidos em larga escala. 

A diferença entre ambas as culturas está na origem das sementes, qualidade do solo, a base de fertilizantes e defensivos agrícolas de cada tipo de cultura, assim como o manejo na produção e no transporte. Certamente o produto final de ambas as culturas trazem diferenças no mínimo sensoriais de sabor e aroma, favoráveis aos produtos orgânicos em relação aos demais.

Uma vez que a humanidade não pode abrir mão das grandes culturas de alimentos para suprir as necessidades de alimentação da população mundial em quantidade, as culturas sempre necessitarão de cuidados específicos para garantir que o alimento seja produzido. Novas tecnologias de sensoriamento e monitoramento de solo, de culturas e pragas já estão reduzindo drasticamente a quantidade de fertilizantes e de defensivos aplicados em todas as culturas, seja tradicional ou orgânica. A tendência é que os alimentos produzidos em larga escala ganhem mais qualidade e sejam produzidos com custos bem mais reduzidos.

As atividades de empresas foodtech como MercadoOrganico.com e Liv Up impactam significativamente o ecossistema de produção e distribuição de alimentos. A tendência de crescimento da produção de produtos orgânicos, com melhores canais de distribuição, resultará em preços mais acessíveis e maior quantidade de consumidores que passarão a ter acesso a alimentos no mínimo mais saborosos e com mais nutrientes.

Segundo recomendação da FAO, o que faz a diferença na saúde humana é o correto equilíbrio no consumo de alimentos frescos, tais como grãos, verduras, legumes e frutas, além das proteínas. Sejam de origem orgânica ou não.


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