“As marcas não investem em equipes femininas.”

Crédito: Fast Company Brasil

Ana Beatriz Camargo 5 minutos de leitura

Dando continuidade à série de reportagens sobre a presença feminina no cenário dos jogos eletrônicos brasileiro, esta semana a Fast Company Brasil traz uma entrevista com Marina Leite, diretora de esports na Liberty, organização integrante da franquia CBLoL (Campeonato Brasileiro de League of Legends).

Marina trocou a carreira no mundo jurídico pelo mundo gamer em 2016, quando entrou para a ProGaming Esports, que logo mudaria de nome e passaria a ser Prodigy Esports. Em 2020, fundou a Vorax e conseguiu uma vaga na franquia do CBLoL. No ano seguinte, a organização foi comprada pela Havan Liberty (atual Liberty), da qual ela é hoje uma das diretoras. 

Marina é a principal responsável pela performance de um grupo de 45 atletas, incluindo os técnicos de cada time, que atuam nas modalidades CBLoL, CBLoL Academy, Counter Strike, Wild Rift, Valorant, Free Fire, Counter Strike e Hearthstone. “Temos uma equipe de saúde e eu sou responsável por acompanhar o trabalho dos nossos profissionais, de todas as pessoas que trabalham com foco em performance e no campeonato. Preciso saber até de coisas banais, como se está faltando algo na casa dos jogadores, para que eles não tenham preocupação e se concentrem no jogo”, explica. 

Nesta entrevista, Marina fala sobre os reais entraves atuais para que as equipes femininas tenham mais visibilidade e representatividade no setor.

Quais as diferenças entre gerenciar uma equipe feminina e uma masculina?

A principal diferença é em nível de investimento. As marcas não investem em equipes femininas. As mulheres têm uma dificuldade muito maior para se tornarem gamers profissionais. Existe uma estrutura social que dificulta nossa vida, somos socializadas para casar, formar uma família, ter filhos. Na minha idade, é mais raro ver uma família que socializou suas filhas para chegarem a um cargo executivo, apesar de cada vez ser mais frequente que essa socialização voltada a isso aconteça. A nossa dificuldade é muito maior, e eu falo por experiência própria. 

Tenho duas modalidades femininas na Liberty: Hearthstone e Counter Strike (CS). As meninas de CS têm que cuidar dos irmãos mais novos, levá-los ao dentista, ajudar nas tarefas da casa. Não é uma responsabilidade só delas, mas é também delas. Já com os meus jogadores meninos não há um caso em que eles precisaram fazer isso. 

É nossa meta que essas jogadoras venham para os treinos presenciais, porque tenho certeza que elas poderão performar muito melhor do que hoje das suas casas. Afinal, no home office elas precisam preparar o almoço, coisas que os meninos não precisam. Tem essa diferença e é muito fácil falar “ah, mas as meninas não jogam tão bem, as equipes femininas são mais fracas que as mistas (mas que só tem homem jogando)”. De fato, não joga de igual para igual. Os campeonatos masculinos têm um nível superior no jogo de estratégia e tudo mais, porque eles têm investimento – do mercado como um todo e do mercado gamer – para que foquem e joguem. A gente tem como pagar salários dignos e condizentes para os homens porque temos investimentos nas equipes deles. 

As marcas investem mais em homens, então?

Os campeonatos masculinos têm mais visibilidade e, consequentemente, mais dinheiro. Com investimento nas minhas equipes femininas, consigo alugar um apartamento para elas, criar uma uma sala de treinamento para elas, colocá-las no mesmo esquema das modalidades masculinas. Assim, elas não vão ser interrompidas durante os treinos. Reconheço a nossa falha: para a gente, o que importa é a performance. Não somos a equipe que vai fazer TikTok, não ligamos de não ter seguidores. Mas queremos estar no play-off

Como é a divisão interna de verba na Liberty para os times femininos e masculinos?

Nunca fechamos um patrocínio focado em uma modalidade, tudo que entra de patrocinador e investimento é para todo mundo. Dividimos as fatias e destinamos parcelas do orçamento para determinada modalidade – porque ela tem mais audiência, uma premiação maior, ou porque traz um retorno maior com imagem de jogador, de passe, transferência. No momento, não temos uma marca específica patrocinando uma modalidade específica, mas, para os times femininos, isso seria importante. 

NO HOME OFFICE ELAS PRECISAM PREPARAR O ALMOÇO, COISAS QUE OS MENINOS NÃO PRECISAM.

No seu nível executivo de atuação, existe machismo?

É um fato, existe o “clube do Bolinha” e não faço parte dele. Mas tenho um traço de personalidade que faz com que não me importe, que lute, seja coerente e consciente e faça o que acredito. Não é algo que me abala, mas claro que há diferença no trato com homens e mulheres. Meu contato é maior com as equipes das ligas em que atuamos e que têm mais peso, ou seja, CBLoL, Valorant, Wild Rift, Free Fire. Nessas, a presença entre os diretores é majoritariamente masculina. Aqui na Liberty, a gente faz questão que tenha mulheres. Nossa equipe é diversa, apostamos nisso, é esse o segredo. Você precisa ser inclusivo, apoiar a diversidade. Se temos esse poder, temos essa responsabilidade. E damos muito valor a isso. 

Como combatê-lo?

Eu poderia dizer muita coisa bonita, que é importante debater, mostrar o outro lado, insistir que quem tem um pouco de voz tem essa responsabilidade. Mas, sinceramente, estou muito cansada para isso. Por mais que a gente se esforce, sempre vai ter aqueles com quem a gente não dá para debater, pois simplesmente não estão interessados em olhar além do próprio ego e reconhecer a situação de privilégio. É muito confortável para quem usufrui dela. 

É um trabalho pesado, lento e não há reconhecimento, no sentido de perceber alguma melhoria. Às vezes, só quero desistir de debater e ficar quieta no meu canto, cuidando dos meus filhos, para que não cresçam machistas, reféns de uma sociedade retrógrada, e trabalhar.

Qual a sua opinião sobre o fim dos campeonatos exclusivamente femininos?

O objetivo final é que as equipes sejam mistas e que existam homens e mulheres jogando juntos, porque a força física não influencia no game. Mas aí surge aquela questão: “ah, se não precisa de força física, então não precisa ter ligas femininas”. Precisa, sim. Precisa, porque a gente ainda não consegue bater de frente. Não jogamos de igual para igual. Muitas vezes, o campeonato feminino tem um nível mais baixo. O objetivo final é não ter equipe exclusivamente feminina, mas é uma construção que vai evoluindo. Com o tempo, espero que a gente consiga alcançar o objetivo final. Mas, hoje, precisamos ter ligas femininas, senão não vamos ver mulheres jogando. 


SOBRE A AUTORA

Ana Beatriz Camargo é jornalista, heavy user de redes sociais e escreve sobre o mundo dos games. saiba mais