Nintendo é processada por vendas in-game no jogo Mario Kart Tour

Se as pessoas estão dispostas a se unir contra as microtransações in-game, elas podem fazer o mesmo contra jogadores tóxicos

Créditos: DNY59/ iStock/ Agencia99/ Designi/ Nintendo

Jonathan Evans 4 minutos de leitura

Uma ação coletiva movida contra a Nintendo foi encaminhada para o Tribunal Federal da Califórnia. O autor, um jovem jogador, alega que o mecanismo de loot box no popular jogo de corrida para dispositivos móveis da empresa, Mario Kart Tour, “capitalizou e incentivou comportamentos viciantes semelhantes a jogos de azar”.

Se a realidade está em jogo, como observa Jane McGonigal (em seu livro "A Realidade em Jogo: Por Que os Games Nos Tornam Melhores e Como Eles Podem Mudar o Mundo"), o processo contra a Nintendo nos lembra que o mundo dos videogames também está. E, embora a legislação e a intervenção do governo possam parecer soluções atraentes, ações coletivas são a forma mais eficaz de regular a indústria de jogos.

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Não é nenhum segredo que os jogos online são bastante tóxicos. No entanto, o que está alimentando toda essa toxicidade – e outros danos – não é exclusivo dos videogames, existe em qualquer ambiente construído em torno de transações comerciais. Aqueles familiarizados com economia se referem a isso como um problema de risco moral.

O termo descreve uma situação em que um indivíduo é incentivado a adotar comportamentos de risco, porque sabe que outra pessoa arcará com os custos de suas ações. Ou seja, assumirá riscos que normalmente não assumiria porque outra pessoa pagará por eles.

Muitos jogos online proporcionam condições ideais para se criar um ambiente tóxico, e é hora de grandes estúdios encararem esse problema.

Um risco moral bastante conhecido no mundo dos videogames é o griefing – atrapalhar a diversão dos outros jogadores com atitudes como lotar o chat de spams com mensagens desnecessárias ou prejudicar sua própria equipe. Os chamados “griefers” têm sucesso em muitos casos porque nem todos percebem suas intenções. 

Felizmente, existe uma solução para isso: identificar e banir esses jogadores. Como em qualquer outra situação que envolve risco moral, a solução é fazer com que eles arquem com as consequências de suas ações. As empresas são incentivadas a fazer isso, pois o público frustrado abandonará os jogos que não regulam esse tipo de comportamento. No entanto, nem sempre é tão simples, especialmente quando o risco moral está incorporado no próprio jogo.

O pré-lançamento de Star Wars Battlefront II foi um exemplo claro desse problema. O título conta com vários modos de jogo, com competições em equipes ou sozinho para derrotar seus oponentes. Os jogadores controlam um personagem que pode ser personalizado não apenas para customizar o avatar, mas também para torná-lo mais forte, aumentando, assim, sua eficácia.

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No entanto, essas melhorias não eram distribuídas igualmente. Em vez disso, eram obtidas através de muito esforço (tempo de jogo) ou pagando por uma chance de adquiri-las. Isso colocou os jogadores casuais ou aqueles que preferem não gastar dinheiro em desvantagem.

Esse modelo “pay-to-win” (pagar para vencer) é adotado por muitos jogos mobile, como Pokémon Go, o que agrava ainda mais o problema. Quando os jogadores sabem que a maneira mais fácil de obter itens poderosos é gastar dinheiro, cria-se uma economia baseada no risco moral.

Para obter vantagens, os jogadores são levados a investir bastante para adquirir esses itens, até ficarem sem dinheiro ou desistirem. Esse sistema promove um ambiente injusto com o único objetivo de lucrar, oferecendo recompensas a jogadores dispostos a gastar, em detrimento daqueles que não podem pagar.

Crédito: Nintendo

Em alguns casos, esses games encorajam os jogadores a tomar decisões imprudentes e potencialmente impactantes em suas vidas. Ainda mais quando os mecanismos do jogo exploram nossas fraquezas psicológicas para que nos tornemos cada vez mais dedicados a ele e gastemos mais dinheiro.

Quando nos deparamos com um risco moral com esse, precisamos seguir o exemplo dos testadores beta de Star Wars Battlefront II, que conseguiram fazer com que a

ações coletivas são a forma mais eficaz de regular a indústria de jogos.

Electronic Arts mudasse seu modelo. Podemos usar nosso poder coletivo como consumidores para fazer a diferença. Idealmente, isso envolveria reunir uma grande comunidade online para pressionar por mudanças nas práticas das desenvolvedoras e distribuidoras.

A Comissão Federal de Comércio dos EUA recentemente determinou que a Epic Games, desenvolvedora do sucesso estrondoso Fortnite, deve reembolsar US$ 245 milhões aos jogadores após constatar que a empresa expôs desnecessariamente crianças a abusos online por meio das configurações padrão do game.

Muitos jogos online proporcionam condições ideais para se criar um ambiente tóxico, e é hora de grandes estúdios encararem esse problema. Precisamos encontrar maneiras de transferir os custos para as desenvolvedoras e distribuidoras que utilizam mecanismos in-game que limitam nossa capacidade de resolver problemas coletivamente.

Outra alternativa seria abandonar esses jogos e investir em títulos desenvolvidos por empresas responsáveis. Embora isso certamente não resolva todos os problemas, essa estratégia tem se mostrado eficaz.


SOBRE O AUTOR

Jonathan Evans é professor de filosofia e especialista em esportes e ética de jogo, além de membro do Projeto OpEd. saiba mais