Por que a FIFA pode se arrepender do fim do acordo com a EA

A parceria entre a FIFA e a desenvolvedora de alguns dos games de maior sucesso no mundo acabou em maio. Mas a EA Sports segue firme

Crédito: Istock

Luke Plunkett 4 minutos de leitura

Com a Copa do Mundo na reta final, a série de jogos FIFA está fazendo um enorme sucesso. A edição lançada em setembro recebeu uma atualização que permite aos jogadores reviver (e reescrever) seus momentos favoritos da Copa de 2022. No entanto, esta é a última vez que a EA Sports e a FIFA trabalharão juntas, após o anúncio do fim da conturbada parceria, em maio.

Isso significa que a famosa série de jogos não poderá mais se chamar FIFA – agora será conhecida pelo nome (menos atraente) EA Sports FC – e perderá o acesso a torneios globais. Mas a FIFA é quem mais sai perdendo.

Durante grande parte das últimas três décadas, a EA Sports e a FIFA tiveram uma relação aparentemente amigável. A desenvolvedora pagava uma quantia não revelada para licenciar a marca e, com isso, podia anunciar seus títulos como jogos “oficiais”.

A entidade, por sua vez, quase sem esforço, se associava a uma das séries de jogos mais populares em todo o mundo, com cerca de 150 milhões de jogadores. Mas a relação azedou em 2021.

Ciente dos lucros da EA – a série chega a render centenas de milhões de dólares por ano –, a FIFA pediu cerca de US$ 1 bilhão para continuar a parceria, um aumento gigantesco em relação às licenças anteriores. Só que a EA não aceitou esse valor.

Vinícius Júnior (Crédito: EA Sports)

A FIFA tem tanto dinheiro que um acordo de licenciamento de videogame não é nada perto do que ela recebe para realizar Copas do Mundo. Isso sem contar as verbas dos patrocinadores. Mas os patrocínios não vêm de graça. As empresas que decidem se associar a ela consideram o que isso pode trazer de bom à marca, e a FIFA está com a imagem manchada.

Afinal, a Copa do Mundo acontecer no Qatar foi a cereja do bolo de uma década de alegações de suborno e corrupção por parte da organização. O país foi responsável pela morte de centenas, senão milhares, de trabalhadores que construíram a infraestrutura para o campeonato. E os escândalos não param por aí.

As proibições controversas impostas pelo governo local surgiram desde que a FIFA escolheu o país para sediar a Copa. A entidade ajudou a proibir as braçadeiras de arco-íris para agradar os anfitriões e defendeu a decisão de última hora de proibir a venda de cerveja nos estádios.

Como resultado, a relação entre a FIFA e sua fonte financeira – grandes patrocinadores – está mais abalada do que nunca. A Budweiser, por exemplo, está pedindo um desconto de US$ 47 milhões para patrocinar a Copa do Mundo de 2026, na América do Norte.

Estádio Tottenham Hotspur (Crédito: EA Sports)

É aqui que entra a parceria com a EA Sports. Em meio a essa onda de notícias negativas, a série de jogos de sucesso deu à FIFA a oportunidade de melhorar sua imagem. Mas isso agora está fora de questão.

A EA, por sua vez, segue firme. A equipe de desenvolvimento e o marketing permanecem e ela ainda tem uma infinidade de possibilidades para explorar no futuro, desde o direito de imagens de jogadores até a Premier League e a Champions League. A única mudança real nos jogos será o nome.

Do ponto de vista da EA, é melhor mudar de nome do que mantê-lo. Livre das restrições do acordo com a FIFA, a desenvolvedora de jogos pode explorar novas oportunidades, como transmissões, e apresentar novos parceiros ao seu público.

“A questão principal para nós foi escolher entre a liberdade de poder conduzir as coisas de uma maneira que sabemos que nosso público quer ou ficar presos a um nome que já foi muito valioso, mas que, talvez, seja menos no futuro”, diz David Jackson, vice-presidente de marca da EA Sports FC.

Jack Grealish (Crédito: EA Sports)

A FIFA, por outro lado, parece estar enfrentando algumas dificuldades. Desde a notícia do fim da parceria com a EA, a organização emprestou seu nome a vários jogos baseados em blockchain que não tiveram sucesso. Seu presidente, Gianni Infantino, sinalizou a intenção de criar um jogo para rivalizar com a antiga parceira. Mas a pretensão de bater de frente com a EA está muito distante da realidade.

A escala e a complexidade envolvidas na criação de games esportivos modernos e de grande sucesso são imensas, tanto que apenas poucas desenvolvedoras são capazes disso. E a FIFA acabou de romper com uma delas.

As outras, por sua vez, estão ocupadas trabalhando em seus próprios jogos. Mesmo que a FIFA financiasse a criação de um novo estúdio, levaria anos até que estivesse em condições de lançar um jogo com os padrões da EA.

Toda essa confusão é algo que a FIFA poderia ter evitado se não tivesse superestimado tão grosseiramente sua importância para a EA e para o mercado mais amplo de videogames. Erro este que provavelmente se arrependerá de ter cometido. Para uma organização aparentemente tão desprovida de autoconsciência como a FIFA, seria a primeira vez.


SOBRE O AUTOR

Luke Plunkett é jornalista, baseado na Austrália, com trabalhos publicados na BBC, The Guardian e The New York Times, entre outros veí... saiba mais