Quem é Alessandra Dutra, a psicóloga dos gamers profissionais
O que uma academia online de pôquer, uma equipe de esports, uma ONG criada por um streamer brasileiro e o portentoso Comitê Olímpico Brasileiro (COB) têm em comum? Ela, Alessandra Dutra. Basta procurar por seu nome nas redes sociais que você logo encontrará uma “bio” um tanto quanto diversa. E bastam alguns minutos de conversa para entender como a psicóloga chegou ao ápice do mundo esportivo – o tradicional e o eletrônico.
Alessandra virou referência quando o assunto é suporte emocional e foco em alta performance para pro players – atletas profissionais do mundo dos jogos eletrônicos – e para atletas olímpicos. Sim, no caminho dos grandes clubes e seleções esportivas, que já contam com equipes dedicadas a cuidar da saúde física e mental dos seus contratados, os clubes de jogos eletrônicos começaram a incorporar em seus quadros esses profissionais, focados em dar suporte emocional para homens e mulheres que passam horas a fio na frente das telas.
Com experiência em diversas modalidades esportivas (como vôlei, handebol, natação), ela também gabarita em diversas lines – nome dado às modalidades de jogos eletrônicos, como Counter-Strike, Valorant, FreeFire, Rainbow Six etc.
Primeira mulher de uma família de pedagogas e engenheiros, Alessandra atuou como bailarina profissional na juventude, chegando a competir no exterior, mas uma lesão no joelho tirou-lhe a possibilidade de continuar na carreira. Foi aí que decidiu colocar em prática sua outra paixão: o comportamento humano. Ao cursar psicologia, esportes e alta performance atlética foram um caminho natural. “Eu queria fazer história na psicologia, deixar minha marca. Não queria ser uma psicóloga comum”, explica.
A primeira grande marca de sua trajetória na psicologia esportiva foi nos Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo, em 2003. Convidada por um professor da Universidade Metodista a se juntar à seleção brasileira masculina de handebol, ajudou o time a conquistar uma inédita medalha de ouro, que o levaria à Olimpíada de Atenas, no ano seguinte. De lá para cá, Alessandra contabiliza cinco olimpíadas no currículo. Ou, como ela diz, “missões”, nome dado a grandes eventos esportivos, como olimpíadas, jogos pan-americanos e campeonatos mundiais das diversas modalidades.
Alessandra atua com o Brasil nas grandes “missões” e, diariamente, faz o acompanhamento de um seleto grupo de atletas, selecionados por Jorge Bichara, diretor de esportes do COB, focados em alto desempenho.
Com os esportes eletrônicos, a história começou em 2017, com o Red Canids, atual Red Canids Kalunga. Hoje, Alessandra é a psicóloga oficial do MIBR/ Made in Brazil, organização de esports que conta com times femininos e masculinos de Counter-Strike: Global Offensive (CS:GO), Rainbow Six e CS:GO Academy.
Vale destacar que a psicóloga também atende jogadores profissionais de pôquer da PokerLAB, uma “academia online” com cursos sobre técnicas e estratégias de jogo. Neste ramo, Alessandra garante que agora seu foco é se transformar na maior psicóloga da modalidade.
Veja nesta entrevista para Fast Company Brasil um pouco mais sobre os desafios de treinar o psicológico de atletas do mundo eletrônico.
Quando aconteceu sua migração do esporte tradicional para os esports?
Em 2017, bem no início do ano. Recebi uma mensagem da Dani Branco dizendo que trabalhava para uma organização de gamers, para um time, e que eles gostariam de conversar comigo sobre um possível trabalho. A procura se deu pela minha experiência olímpica. Como gosto de novos desafios, fui me encontrar com ela na sede da organização. Foi quando descobri que se tratava da Red Canids, do time de LOL, e que ali estavam os jogadores mais habilidosos e mais populares da equipe. Só fui entender a magnitude daquilo depois que saí e fui pesquisar. Conversei com todos, inclusive com os jogadores, e pelo que entendi, eu já estava passando um tipo de entrevista, ou seleção. No caminho de volta para casa, recebi a mensagem da Dani de que os jogadores tinham gostado muito de mim e que queriam trabalhar comigo. Me lembro dela escrevendo uma característica de cada um para eu saber de quem se tratava. Essa foi a história da migração.
Quais as diferenças de atuar com atletas de esports?
No início, achava que não tinha diferença, que se tratava de trabalhar o espírito de equipe, coesão do time, alinhar mindset, administrar diferenças e ego. Com o tempo, fui observando que há muitas diferenças. A principal delas é que os gamers estão muito próximos dos fãs, eles se comunicam, aliás, “sobrevivem” das redes sociais. “Streamam” sem nenhuma proteção. Isso pode causar problemas, pois são muito jovens e ficam expostos a todo tipo de abordagem, positiva e negativa. Essas abordagens geram uma série de situações emocionais nos jogadores.
Tem também a velocidade com que as coisas ocorrem: sentimentos, emoções, são vivenciadas no aqui e agora. Hoje você pode estar zangado, chateado com alguém do time, ou querendo sair, e na mesma noite, ou no dia seguinte, tudo pode estar resolvido. As metas podem mudar depois de uma conversa com o CEO.
Outra característica: o treinador não é uma figura de hierarquia ou liderança maior, como no esporte tradicional. Não tem o mesmo “valor” como nos esportes tradicionais. É uma figura facilmente substituível ou, simplesmente, alguém muito próximo aos jogadores, sem ser uma figura de liderança e/ou autoridade a ser seguida por completo.
As metas são estabelecidas em curto prazo. Eles valorizam a melancolia, são muito mais sensíveis às frustrações. A disciplina não é um ponto de relevância. Os atletas respondem às questões emocionais quando trabalhadas de forma mais rápida. Por fim, enquanto no esporte tradicional existe o período diurno para trabalhar, nos games o pessoal é vespertino.
E quais são as semelhanças?
Semelhança tem o espírito competitivo, senão você não sobrevive num mundo de performance.
Qual a importância de os times de esports trazerem profissionais de psicologia para auxiliá-los?
A primeira coisa é que, como aconteceu no mundo esportivo, tudo começa a ficar comparativo. Todos passam a ter uma rotina de treinos e conseguem um equilíbrio técnico com o tempo. O diferencial será o mental, pois para ele não há limites. Além, é claro, de você conseguir e/ou tentar equilibrar, encontrar uma intersecção entre performance e saúde mental para os jogadores e a equipe. Também é interessante para a própria categoria, pois abre mais uma área de trabalho e enriquece a nossa profissão.
Você trabalha com alta performance, um conceito fortemente atrelado a restrições. Como manter a saúde mental dos jovens atletas?
Estamos construindo esse conceito. Performance nunca foi sinônimo de saúde mental. Exige restrições. Na alta performance tem a tarefa, a habilidade e o timing. Se não tem essa tríade muito bem construída, você tá fora da alta performance. Então gera algum estresse, não tem jeito. Não adianta “performar” depois do campeonato. O que temos que fazer é evitar que o jogador fique doente. Mas sem estresse não há performance.