Videogames ajudam a criar uma nova geração de fãs de música clássica

Muitas crianças têm seu primeiro contato com música sinfônica graças aos jogos eletrônicos

Crédito: Orquestra Sinfônica de Londres/ Bethesda

J. Aaron Hardwick 4 minutos de leitura

"Starfield", um dos títulos mais aguardados dos últimos tempos, foi finalmente lançado. Nele, os jogadores podem criar seu próprio personagem e nave espacial, viajar para milhares de planetas e seguir diversas histórias emocionantes. A trilha sonora é igualmente épica. Mark Lampert, responsável pela direção de áudio, a descreve como uma “companheira do jogador” que cria uma atmosfera de grandiosidade.

Trilhas para cenários espaciais já apareceram em muitos filmes, como “Star Wars”, “2001: Uma Odisseia no Espaço” e “Interestelar”, para citar apenas alguns. Mas a trilha sonora interativa de "Starfield", composta por Inon Zur, faz algo diferente: ela transporta o jogador para a imensidão do espaço ao mesmo tempo em que mantém um ar de aventura e inocência. Se você fechar os olhos, pode até imaginá-la sendo tocada em um grande auditório ou teatro.

E foi exatamente isso que aconteceu antes do lançamento. A Orquestra Sinfônica de Londres tocou “Starfield Suite”, tema principal do jogo, para uma plateia lotada no Alexandra Palace Theatre, uma das salas de concertos mais prestigiadas do mundo. Jogos como "Starfield" estão atraindo pessoas para a música clássica como nunca antes.

A MÚSICA CLÁSSICA SE TORNA EXCLUSIVA

Nos séculos 18 e 19, foram estabelecidas regras sociais rígidas em torno da música clássica: como ouvir, o que vestir, onde se sentar e quando aplaudir. Conforme os gostos e as tecnologias começaram a mudar, as massas se voltaram para novos gêneros musicais, como o jazz. E as salas de concerto se tornaram redutos da cultura erudita e da alta sociedade.

Surgiu então uma clara divisão entre a música popular e a clássica, que persiste até hoje. Muitos argumentam que este não é um gênero acessível para a maioria das pessoas – é visto como intimidador e rígido, com composições muito longas e ingressos caros.

No entanto, orquestras sinfônicas em todo o mundo estão se esforçando para diversificar seu público e acabar com a antiga visão de que sua música é reservada apenas para pessoas ricas, brancas e altamente cultas. Acredito que os jogos de videogame são uma excelente plataforma para a inclusão que as orquestras tanto buscam.

Starfield (Crédito: Bethesda)

DOS SONS SINTETIZADOS À MÚSICA CLÁSSICA

Devido às limitações de hardware, os primeiros games usavam sons sintetizados. Mas essas restrições levaram os programadores a buscar formas criativas de tornar os jogos mais imersivos por meio do som.

Hoje, não existem mais essas limitações. Os compositores podem criar trilhas para os hardwares e softwares mais avançados, além de poderem contar com alguns dos melhores músicos do mundo.

Quando um novo game é lançado, as plataformas de streaming de música disponibilizam a trilha sonora.

Em uma entrevista de 2021, a compositora de jogos e maestrina Eimear Noone disse: “hoje, mais jovens ouvem música clássica por meio de seus consoles do que em toda a história”.

Ela provavelmente está certa. Existem mais de três bilhões de gamers em todo o mundo, e pessoas entre 18 e 25 anos passam a maior parte do tempo jogando. Uma pesquisa de 2018 realizada pela Orquestra Filarmônica Real do Reino Unido descobriu que mais jovens são expostos à música clássica graças aos jogos do que em apresentações ao vivo.

A fusão de tecnologia avançada e conhecimento erudito criou mundos como os da franquia Assassin’s Creed, que funcionam como máquinas do tempo que permitem aos jogadores explorarem a Grécia Antiga, com trilhas sonoras acompanhando-os em suas jornadas.

Crédito: Activision

Em "Sekiro: Shadows Die Twice", da Activision, a compositora Yuka Kitamura usou instrumentos tradicionais japoneses para criar uma trilha inspirada no período Sengoku do Japão. "Civilization IV" contém faixas influenciadas por compositores ao longo da história, e muitos dos jogos mais populares de hoje usam música clássica.

RECONHECIMENTO MERECIDO

Com a expansão da indústria de games – que deve se tornar um mercado de US$ 533 bilhões até 2027 –, as trilhas estão cada vez mais populares. Quando um título novo é lançado, as plataformas de streaming de música disponibilizam sua trilha sonora.

Em 2022, no BBC Proms (festival de concertos de música clássica em Londres), a Orquestra Filarmônica Real se apresentou tocando músicas de videogames. Este ano, o Grammy criou a categoria de “Melhor Trilha Sonora para Videogames e Outras Mídias Interativas”. O primeiro prêmio foi para a composição de Stephanie Economou para “Assassin’s Creed Valhalla: Dawn of Ragnarök”.

Assassin’s Creed Valhalla: Dawn of Ragnarök (Crédito: Ubisoft)

"Starfield" será lembrado por seus gráficos impressionantes, jogabilidade interativa e história envolvente. Mas o que vai mantê-lo coeso será a grandeza de sua paisagem sonora.

As trilhas sonoras de games percorreram um longo caminho desde seus primeiros sons sintetizados. E a música clássica continuará a acompanhar as jornadas dos jogadores. Assim como em "Starfield", o céu já não é mais o limite.

Este artigo foi originalmente publicado no The Conversation e reproduzido sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE O AUTOR

J. Aaron Hardwick é diretor de orquestra e professor assistente de música na Wake Forest University. saiba mais