A revolução da chamada “mídia sintética”: é para a gente amar ou odiar?
Estamos entrando em uma nova era dos contadores de histórias: quando o meio fala por si

No início dos anos 2000, meu primeiro emprego foi no Cactus Club Café, um restaurante nascido em Vancouver, no Canadá, onde a cultura pop encontrava a arte pop. As paredes exibiam reproduções de Andy Warhol – latas de sopa Campbell’s em serigrafia vibrante, retratos neon de Marilyn Monroe e críticas sociais camufladas em imagens icônicas.
Hoje, olhando para trás, fica claro: Warhol não estava apenas fazendo arte. Estava antecipando a era da mídia sintética.
Com sua técnica de serigrafia industrial, ele produzia imagens em escala e desafiava a própria noção de originalidade. Diluía as fronteiras entre criador e máquina, arte e publicidade. E, mesmo com um processo mecanizado, sua obra ainda tocava o emocional – prova de que, na repetição, algo humano sobrevive.
De certa forma, Warhol antecipou o momento atual: uma era na qual a narrativa está sendo redefinida não mais pela tinta ou pela impressão, mas por linhas de código.
A NOVA VOZ É ARTIFICIAL
As ferramentas que usamos para contar histórias mudaram. E, com elas, a definição de quem é um contador de histórias. Se, em 1964, Marshall McLuhan dizia que “o meio é a mensagem”, em 2025, o meio é a inteligência artificial.
Para Jensen Huang, CEO da Nvidia, IA é “a automação da automação – um software que cria software”. Já o historiador Yuval Harari vai além: ele alerta que a IA está escrevendo narrativas, moldando crenças – e não apenas analisando dados.
rostos gerados por IA foram avaliados como mais confiáveis do que rostos reais.
Motores de recomendação se tornaram sacerdotes digitais, decidindo quais histórias escutamos. Quer isso inspire ou assuste, uma coisa é certa: a IA não é só uma ferramenta. É narradora. E narradores sempre foram seguidos.
Ferramentas como o ChatGPT ou o Sora começaram como substitutos limitados da criatividade humana. Mas isso ficou no passado. A IA narrativa de hoje emociona, surpreende – e convence.
ENTRE A MÍDIA SINTÉTICA E O CONTEÚDO “REAL”
Quando nos deparamos com alguma mídia sintética – como vídeos deepfake ou imagens geradas por IA –, o cérebro usa um mecanismo chamado codificação preditiva para identificar inconsistências sutis. É esse circuito que nos ajuda a distinguir o real do artificial. Mas... até quando?
Um estudo recente revelou que rostos gerados por IA foram avaliados como mais confiáveis do que rostos reais. E mesmo assim, algo parece "estranho". Nossa intuição ainda nos alerta quando algo não é genuinamente humano.
A publicidade já testa esses limites. O comercial de fim de ano da Coca-Cola, feito por IA, buscava homenagear a campanha clássica de 1995, mas foi criticado por parecer “sem alma”.
Já a Land Rover combinou IA e filmagem real em uma peça para o modelo Defender, mostrando o potencial da mídia sintética – e também os dilemas da criatividade híbrida.
Ao mesmo tempo, projetos como o Woebot e o LovingAI mostram que conseguimos nos conectar emocionalmente com máquinas, desde que elas acertem no tom. Em muitos testes, respostas geradas por IA em contextos de terapia foram classificadas como mais eficazes do que as de humanos.
A INTERNET ESTÁ VIVA… COM BOTS
Você já ouviu falar da teoria de que a internet está morta? A ideia é simples: a maior parte do que consumimos online não é mais feita por humanos. E isso já não é mais apenas uma teoria.
- Bots geram mais de 50% do tráfego relacionado a conteúdo
- Um terço do tráfego global vem de bots maliciosos
- Alguns especialistas preveem que 99,9% de todo conteúdo será gerado por IA até 2030
A inteligência artificial não está apenas mudando o consumo – ela está mudando o ato de criar.
CRIATIVIDADE HÍBRIDA: O FUTURO É COLABORATIVO
Millennials e GenZs, que hoje representam 71% dos compradores B2B, não querem um pitch. Eles querem uma história que descubram sozinhos, algo com toque humano, imperfeito, autêntico. Quase 40% deles estão dispostos a gastar mais de US$ 500 mil sem sequer falar com um vendedor.
A inteligência artificial está mudando o ato de criar.
Entramos na era da criatividade híbrida. As máquinas não vão substituir os humanos, mas quem souber usá-las estrategicamente substituirá quem não souber.
Assim como Warhol nos forçou a repensar o que é autenticidade, precisaremos rever nossos conceitos de autoria. O mercado de mídia sintética deve atingir US$ 16,6 bilhões até 2033, crescendo 14% ao ano. A transformação não está por vir, ela já chegou.
A pergunta real é: como você vai liderar, se conectar e criar em um mundo onde o meio agora responde à mensagem?