A verdadeira ameaça à arte e aos artistas não é a IA, é o medo da IA

CEO argumenta que a tecnologia não substitui o trabalho dos artistas – ela o complementa

uso de IA por parte de artistas e criativos
Crédito: Azrok66/ Getty Images

Rohan Nayak 3 minutos de leitura

Quando a câmera fotográfica foi inventada, em 1826, muitos acreditaram que a pintura estava com os dias contados, mas isso não aconteceu.

Os pintores encontraram novas maneiras de se expressar. Deram origem a movimentos como o expressionismo, o impressionismo e a arte abstrata. Monet, Munch e, mais tarde, Picasso seguiram criando, mesmo com a chegada da fotografia.

Quando os computadores pessoais se popularizaram, nos anos 1980, surgiu o medo de que o pensamento criativo poderia perder seu valor. Mas eles abriram portas para o design digital, a animação e novas formas de contar histórias. Estúdios como a Pixar, criada em 1986, mostraram como a tecnologia poderia ajudar artistas a criar mundos que antes eram impossíveis.

Quando o Photoshop foi lançado, em 1988, muitos fotógrafos ficaram com medo de que as ferramentas de edição pudessem destruir a “pureza” da fotografia. Mas o resultado foi o contrário: o software ampliou as possibilidades de criação e tornou a expressão visual mais acessível, ajudando a impulsionar a economia criativa moderna.

A história revela um padrão: novas tecnologias nunca substituíram a criatividade – sempre a ampliaram. Cada avanço tecnológico vem acompanhado de novas oportunidades.

A inteligência artificial é só o próximo capítulo dessa história. Ela pode ajudar criadores a trabalhar com mais agilidade, explorar mais possibilidades e transformar a imaginação em realidade com menos obstáculos.

criatividade em escala industrial
Créditos: draganab/ imaginima/ iStock

Mas transformar ideias em algo que outras pessoas possam ver, ouvir ou sentir depende de alguns fatores concretos: tempo, ferramentas, acesso e recursos. E é justamente aí que muitos criadores esbarram.

Nem todo mundo consegue imaginar um universo interessante. Mesmo aqueles que conseguem, muitas vezes não têm os meios para tirá-lo do papel de um jeito que envolva o público. É aqui que a IA entra. Ela não cria alma, mas derruba barreiras ao reduzir os custos, o tempo, as habilidades e os recursos necessários para dar vida a uma obra.

Nesse sentido, a inteligência artificial é um multiplicador da criatividade. Assim como os smartphones democratizaram a fotografia, a IA pode democratizar a arte de contar histórias.

COLABORAÇÃO, NÃO SUBSTITUIÇÃO

No meu trabalho construindo uma plataforma de histórias em áudio, vejo diariamente como a IA apoia criadores – não os substitui. Nossa plataforma permite que qualquer pessoa escreva e publique narrativas serializadas. Para ajudar nesse processo, criamos ferramentas de IA que funcionam como parceiras criativas. Elas não escrevem pelos autores, apenas os auxiliam.

A IA ajuda a manter consistência ao longo de centenas de episódios, sugere caminhos quando falta inspiração e oferece feedback imediato sobre ritmo e diálogos. Há ferramentas para transformar texto em voz natural, adicionar sons de fundo e criar ilustrações – recursos que antes só existiam em estúdios profissionais.

A IA pode ajudar criadores a transformar a imaginação em realidade com menos obstáculos.

Essas ferramentas não tiram o trabalho de artistas; elas ampliam as possibilidades. Muitos dos nossos criadores não tinham como contratar narradores, designers de som e ilustradores. Sem a IA, suas histórias nunca sairiam do papel. Com ela, alcançam milhões de pessoas. Isso não é substituir criadores, é permitir que mais gente possa criar.

A boa arte não nasce de padrões estatísticos. Ela nasce da emoção, da contradição, da curiosidade – aquilo que nos faz humanos. A IA pode ajudar a montar uma estrutura, mas não é capaz de sentir frustração, esperança ou amor.

Por isso, precisamos construir sistemas que mantenham o ser humano no centro, garantindo transparência, preservando autoria e valorizando quem tem a ideia original.

UM NOVO CAPÍTULO PARA A CRIATIVIDADE

Estamos em um momento decisivo de uma longa história. A relação entre arte e tecnologia sempre seguiu o mesmo arco: ruptura, medo, adaptação – e, no fim, expansão.

Steve Jobs comparou o computador pessoal – outra tecnologia que gerou receio quando surgiu – a uma “bicicleta para a mente”. Ele imaginava uma ferramenta que não substituísse nosso pensamento, mas o impulsionasse, ampliando a imaginação da mesma forma que uma bicicleta impulsiona o movimento.

Agora, cabe a nós escrever o próximo capítulo. Podemos permitir que a IA reduza a criatividade a algoritmos ou podemos transformá-la em uma bicicleta para a mente criativa – algo que permita que o talento humano vá mais longe, mais rápido.

O futuro da narrativa não deve ser sobre máquinas substituindo humanos. Deve ser sobre mais pessoas contando mais histórias, alcançando mais públicos e despertando mais imaginação – e mais lágrimas e mais suspiros – do que nunca.


SOBRE O AUTOR

Rohan Nayak é cofundador e CEO da Pocket FM, plataforma global de entretenimento pioneira na categoria de séries de áudio e que integr... saiba mais