Ainda estamos encolhendo roupa na máquina de lavar
Talvez em alguns anos, tanto máquinas de lavar quanto sistemas de IA sejam sofisticados o suficiente para dispensar conhecimento especializado

Faz mais de 250 anos que a primeira máquina de lavar roupa foi inventada. Um aparato pensado para poupar tempo, evitar esforço, ganhar escala. Desde então, ela virou elétrica, ganhou ciclos automáticos, conectividade, sensores. E mesmo assim, em 2025, a gente ainda encolhe roupa lavando errado.
Mais curioso ainda: continuamos recorrendo a lavanderias. Mesmo com todo o avanço tecnológico, às vezes ainda precisamos levar a roupa para alguém que sabe fazer melhor que a gente.
A lavanderia é aquele lugar onde o conhecimento especializado compensa a tecnologia que temos em casa. Onde sabem que o cashmere não vai no ciclo pesado e que a seda pede água fria.
No mundo corporativo, a inteligência artificial segue trajetória semelhante. A tecnologia promete economia de tempo, aumento de produtividade, escala. Mas o simples uso não garante resultado.
Saber implementar é diferente de saber aplicar. O modelo pode ser sofisticado, mas se você joga dados não estruturados no modo “decisão automática”, a conta chega. Mais rápida, mais visível, mais cara.
A Air Canada descobriu isso da pior forma possível. Em 2022, seu chatbot de IA forneceu informações incorretas a um cliente sobre tarifas de luto, prometendo reembolsos que violavam as políticas da empresa. Quando o cliente processou a companhia, a Air Canada tentou argumentar que “não poderia ser responsabilizada por informações prestadas pelo chatbot”.
O juiz rejeitou categoricamente esse argumento, afirmando que era “inacreditável” sugerir que o chatbot fosse “uma entidade jurídica separada”. É como colocar um cashmere no ciclo de centrifugação pesada. A máquina funciona perfeitamente. Só não foi feita para aquela aplicação específica.

A KLM Royal Dutch Airlines encontrou um caminho mais equilibrado. Após a erupção vulcânica na Islândia em 2010, que paralisou voos na Europa, a companhia implementou IA para automatizar parte das interações.
Segundo Martine van der Lee, diretora de mídias sociais da empresa, “a IA é uma tecnologia poderosa para eliminar tarefas simples e repetitivas, permitindo que os agentes se concentrem em resolver problemas reais”.
O resultado? A KLM conseguiu dobrar o volume de atendimentos e reduzir pela metade o tempo de interação com clientes. Hoje, 50% de todas as interações são apoiadas por IA, mas sempre com supervisão humana.
O PARADIGMA DA MÁQUINA DE LAVAR
A IA corporativa não resolve tudo sozinha. Ela amplia o que a empresa já sabe ou escancara o que ela nunca soube. Como a máquina de lavar, ela é ferramenta. Mas se você não entende de dados, de contexto de negócio, de objetivos estratégicos, vai seguir “encolhendo” ativos importantes.
Não por acaso, o mercado de consultoria em IA cresce rapidamente a cada ano. São as lavanderias especializadas do mundo digital. Mesmo com sistemas internos, empresas ainda precisam levar seus “tecidos delicados” para quem entende mais.
A tecnologia promete economia de tempo, aumento de produtividade, escala. Mas o simples uso não garante resultado.
As big techs sabem disso. Vendem a máquina, mas também oferecem o serviço de lavanderia premium. A diferença entre operar e aplicar está no conhecimento especializado. Uma máquina de lavar não distingue seda de algodão. Precisa de alguém que saiba a diferença. Um modelo de IA não distingue correlação de causalidade. Precisa de alguém que entenda o contexto.
Para as empresas, a lição é clara: investir apenas na tecnologia é garantia de roupas encolhidas. O investimento paralelo em conhecimento contextual é o que separa implementações bem-sucedidas das desastrosas.
Talvez em alguns anos, tanto máquinas de lavar quanto sistemas de IA sejam sofisticados o suficiente para dispensar conhecimento especializado. Mas vale lembrar: já se passaram 250 anos desde a invenção da máquina de lavar e ainda não deu certo. Talvez a IA precise de menos tempo, ou talvez estejamos apenas no início de uma longa jornada de aprendizado.
Porque no final, tanto em casa quanto nos negócios, ninguém quer descobrir que encolheu algo importante.