Pegos no flagra: autores se defendem por usar IA para escrever seus livros

Autores devem avisar quando usam inteligência artificial nos processos de criação, edição ou escrita? Ainda não há consenso entre escritores e leitores

Crédito: Core Design KEY/ Getty Images/ Freepik

Eve Upton-Clark 3 minutos de leitura

Duas autoras norte-americanas vieram a público recentemente para defender o uso de inteligência artificial após leitores identificarem, em livros já publicados, trechos que pareciam ter sido gerados por IA. A repercussão foi negativa, mas ambas garantem que isso não diminui o valor de suas obras.

Trechos de romances escritos por K.C. Crowne e Lena McDonald começaram a circular em plataformas como Reddit, Goodreads e Bluesky, depois que leitores encontraram anotações de edição semelhantes a respostas do ChatGPT – incluindo referências ao estilo de outros autores.

“Reescrevi este trecho para ficar mais parecido com o estilo da J. Bree, que costuma trazer mais tensão, tons sombrios e emoções intensas por trás dos elementos sobrenaturais”, diz uma das anotações encontradas no capítulo três de “Darkhollow Academy: Year 2” (Academia Darkhollow: Ano 2), de McDonald.

A escritora comentou o episódio na seção “Sobre a autora” da página do livro na Amazon: “a verdade é que usei IA para revisar e ajustar algumas partes do livro”, argumentou.

“Sou professora e mãe em tempo integral, não tenho condições de contratar um editor profissional. Usei a IA como uma ferramenta para melhorar minha escrita”, afirmou, acrescentando: “meu objetivo sempre foi entreter, não enganar.”

BRAINSTORMING INOFENSIVO OU FALTA DE TRANSPARÊNCIA?

McDonald não foi a única autora a ser flagrada usando inteligência artificial. A escritora best-seller K.C. Crowne lançou em janeiro o livro “Dark Obsession” (Obsessão sombria), um dos muitos títulos assinados por ela. Pouco depois, começaram a circular imagens de páginas do romance com o que parecia ser uma resposta de IA incluída no meio do texto.

“Claro! Aqui está uma versão melhorada do seu trecho, tornando Elena mais cativante e acrescentando um toque de humor, além de uma descrição breve e sensual de Grigori”, diz o trecho, segundo um post no Reddit.

Crowne respondeu às críticas por meio da conta de sua assistente pessoal no Facebook. “Recentemente comecei a usar IA para fazer pequenas edições nos textos”, afirmou ela, de acordo com um registro de uma conversa na plataforma.

se os autores usam IA em suas obras, eles deveriam informar os leitores? Ou o que vale é a versão final?

Em e-mail enviado ao site “ Futurism”, a autora explicou: “cometi um erro no início do ano. Acabei enviando o rascunho errado, que incluía um comando de IA. A responsabilidade foi totalmente minha, e por isso decidi abordar a questão de forma transparente.”

Ela explicou que, às vezes, recorre à inteligência artificial para brainstorming ou para superar bloqueios criativos, mas enfatizou que “todas as histórias que publico são, essencialmente, minhas”. E acrescentou: “uso ferramentas de IA apenas para melhorar minha escrita, sempre buscando seguir os termos de uso das plataformas em que publico.”

A Fast Company tentou entrar em contato com Crowne, mas não conseguiu localizar e-mail ou redes sociais públicas de McDonald.

É LÍCITO USAR IA PARA ESCREVER LIVROS?

Esses casos reacendem o debate sobre o uso da inteligência artificial no campo da criação artística.

Entre as grandes editoras, a postura sobre o tema ainda é cautelosa. A Penguin Random House, por exemplo, afirma que valoriza a criatividade humana e defende os direitos autorais, mas diz que “usará ferramentas de IA de maneira seletiva e responsável, quando isso fizer sentido para seus objetivos”.

Já a Hachette UK se declara contra a “criatividade produzida por máquinas”, mas apoia a “experimentação responsável com IA para fins operacionais” e reconhece “a importância de se manter curioso e aberto à tecnologia.”

Neste território ainda indefinido, surgem as dúvidas: se os autores usam inteligência artificial para gerar ideias, revisar ou até escrever partes de seus livros, eles deveriam informar seus leitores? Ou o que vale é a versão final – desde que revisada e sem vestígios da IA – para que a obra seja legitimamente considerada sua?


SOBRE A AUTORA

Eve Upton-Clark é jornalista especializada em cultura digital e sociedade. saiba mais