Como a IA está impactando a relação de confiança entre alunos e professores

A simples suspeita de que um aluno usou inteligência artificial generativa já está afetando as relações dentro da sala de aula

inteligência artificial afeta confiança entre alunos e professores
Créditos: Pete Linforth/ Pixabay/ Antonio_Diaz/ Getty Images

Elise Silva 4 minutos de leitura

Muito se tem discutido sobre os impactos da IA generativa no ensino superior. Mas, apesar de haver um número cada vez maior de pesquisas sobre esse tema, um grupo essencial ainda tem sido pouco ouvido nessas conversas – justamente o mais apto a falar sobre o assunto: os estudantes.

Na Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, nossa equipe conduziu uma série de grupos focais com 95 alunos. O que descobrimos foi que, mesmo quando nem professores nem alunos fazem uso da IA, a tecnologia já está afetando significativamente as relações interpessoais, a aprendizagem e, principalmente, a confiança dentro da sala de aula.

Ferramentas como ChatGPT, Gemini e Claude estão, sim, mudando a forma como os alunos estudam. Mas mais do que isso: estão transformando as dinâmicas com professores – e também entre os próprios colegas.

A maioria dos participantes contou já ter recorrido à inteligência artificial, principalmente quando estavam perto da data de entrega, quando viam a tarefa como “sem sentido” ou simplesmente ficavam travados diante das dificuldades. Eles nem sempre começam os trabalhos com IA, mas acabam usando em algum momento.

Muitos relataram experiências positivas com a tecnologia – seja para estudar, tirar dúvidas ou obter feedback. Alguns chegaram a dizer que preferem usar inteligência artificial a pedir ajuda a professores, tutores ou monitores.

Para alguns alunos, conversar com um chatbot é menos intimidador do que marcar um horário com o professor – que, às vezes, pode parecer distante ou até “arrogante”. Como disse uma das entrevistadas: “com o ChatGPT, você pode perguntar o que quiser, sem medo de ser julgado.”

Mas o julgamento pode vir de outro lugar. Apesar de alguns estarem empolgados com as possibilidades da IA, muitos também disseram sentir culpa ou vergonha por usá-la – seja por questões éticas, ambientais ou por medo de parecerem preguiçosos.

ANSIEDADE, DESCONFIANÇA E DESINTERESSE

Muitos estudantes têm a impressão de que os professores são “totalmente contra o ChatGPT”, mas também reclamam da falta de clareza sobre o que pode ou não ser usado.

Como resumiu uma aluna de urbanismo: “não sei direito o que esperam da gente”. Um colega acrescentou: “os alunos e os professores não estão na mesma página. Ninguém sabe ao certo o que é permitido”.

Também ouvimos relatos de frustração e desconfiança entre os próprios estudantes, especialmente em relação a colegas que, segundo eles, dependem demais da IA. Um exemplo: um aluno pediu ajuda a um colega e recebeu como resposta “usei o ChatGPT”, percebendo que nem havia se preocupado em entender o conteúdo.

inteligência artificial generativa na educação
Créditos: Milad Fakurian/ Unsplash/ flatart/ Freepik

Em trabalhos em grupo, o uso de inteligência artificial chega a ser visto como “um grande sinal de alerta”, fazendo com que alguns percam o respeito pelos colegas.

Essa desconfiança tem se espalhado pelas relações, tanto entre alunos e professores quanto entre os próprios alunos. Muitos têm receio de ficar para trás caso outros estejam usando IA para tirar notas melhores. Isso acaba criando um distanciamento emocional e um clima de cautela entre colegas.

Nossos achados confirmam o que outras pesquisas já apontam: só a suspeita de que alguém usou IA já é suficiente para abalar a confiança em sala de aula. Os alunos têm tanto medo de serem acusados injustamente quanto de serem descobertos caso, de fato, usem a tecnologia.

IMPACTO DA IA GENERATIVA NO ENSINO SUPERIOR VAI ALÉM DO QUE SE IMAGINAVA

Sabemos que a conexão entre professores e alunos é essencial para o aprendizado, assim como os laços entre os próprios colegas.

Se os estudantes estão evitando conversar com professores ou deixando de trocar experiências com seus pares por insegurança diante de regras confusas ou que mudam o tempo todo sobre o uso da IA generativa no ensino superior, as universidades precisam buscar novas formas de fortalecer essas relações.

As aulas presenciais, por exemplo, podem ser uma boa oportunidade para valorizar os encontros cara a cara. Professores podem incentivar os alunos a comparecer mais aos horários de atendimento. Iniciativas como projetos de pesquisa, programas de mentoria ou eventos informais também podem fazer a diferença.

O uso de ferramentas de IA generativa está transformando as dinâmicas entre alunos e professores e também entre os próprios colegas.

Esperamos que a nossa pesquisa ajude a mudar o olhar sobre os alunos que usam IA. Em vez de vê-los como “trapaceiros”, é preciso reconhecer a complexidade dessa situação. Muitos estão tentando lidar com uma nova realidade, sem regras claras e com pouco suporte.

Com a IA cada vez mais presente no dia a dia e as universidades ainda buscando respostas, nossos grupos focais mostram o quanto é importante escutar os estudantes e pensar em formas de ajudá-los a se sentirem mais à vontade para se conectar com seus colegas e professores.

Entender essas novas dinâmicas nas relações é essencial. Afinal, a forma como usamos a tecnologia está influenciando diretamente a maneira como nos relacionamos uns com os outros.

Pelo que ouvimos, os estudantes estão mais do que prontos para conversar sobre isso – e sobre o impacto que essa mudança pode ter no futuro deles.

Este artigo foi republicado do “The Conversation” sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE A AUTORA

Elise Silva é diretora de politicas de pesquisa no Instituto para Lei Cibernética, Política e Segurança da Universidade de Pittsburgh. saiba mais