Como a mídia e o marketing conseguirão sobreviver à busca turbinada por IA?
Com o Modo IA do Google, é hora de repensar como ser visto – e ouvido

Muita gente diz que as mudanças acontecem aos poucos – até que, de repente, tudo muda de uma vez. E é exatamente isso que estamos vendo agora com a chegada da inteligência artificial nas buscas online. O Google acaba de lançar oficialmente, nos EUA, o Modo IA, que transforma a experiência de busca em uma conversa: em vez de links, ele oferece respostas diretas.
A proposta é simples: fazer com que o Google funcione como um assistente, ajudando o usuário a realizar a tarefa que motivou sua busca. Quer encontrar uma passagem aérea, um restaurante japonês por perto ou um dado específico para colocar em um e-mail? O Modo IA localiza a informação e, muitas vezes, realiza a ação por você.
E isso é só o começo. A empresa já anunciou, por exemplo, um recurso de compras no qual o Google finaliza a transação sem que o usuário precise sair da página de busca. O impacto potencial é enorme – não só para a mídia, mas também para o marketing, o comércio eletrônico e, em última instância, para toda a web.
Por enquanto, tudo isso ainda está no começo. O Modo IA aparece hoje como um botão na página inicial do Google e como mais uma aba entre os resultados (junto de Notícias, Imagens, Vídeos etc.). Ou seja, o usuário precisa ativá-lo manualmente. A barra de busca do Chrome – onde acontece a maioria das pesquisas – ainda segue funcionando do jeito tradicional.
Em outras palavras: apesar da empolgação gerada pelo anúncio no Google I/O, a empresa não está apostando todas as fichas nessa novidade – e há bons motivos para isso. O modelo de negócios atual do Google ainda depende, em grande parte, da página de resultados.
Sim, o Modo IA também pode exibir anúncios. Mas vai levar um tempo até que essa nova experiência se mostre financeiramente viável. E tem um ponto-chave: gerar uma resposta usando inteligência artificial custa mais caro do que apenas exibir uma lista de links. O Google precisa ir com calma para não prejudicar os próprios lucros.
O AVANÇO INEVITÁVEL DA BUSCA COM IA
Mesmo assim, não dá para ignorar que os resumos criados pelo Modo IA são um novo campo de disputa pela atenção do usuário. Eles são muito mais envolventes do que as informações geradas por inteligência artificial que já aparecem no topo das buscas tradicionais.
Enquanto esses trechos funcionam como um complemento, o Modo IA cria um ambiente próprio, onde o usuário entra e permanece. A busca vira uma espécie de colaboração com o Google – o ato de pesquisar se torna apenas uma parte do processo.
as respostas geradas por IA vieram para ficar e vencê-las será o jogo a ser jogado.
Pode parecer que isso dá mais trabalho do que simplesmente receber uma lista de links. Mas vale lembrar que, mesmo com a busca tradicional, o usuário ainda precisa clicar em vários sites, avaliar quais são confiáveis, absorver as informações e filtrar o que é útil.
A busca com IA já está ganhado força. Uma pesquisa recente revelou que 17% dos consumidores – quase um em cada cinco – já confiam mais nas respostas geradas do que nas buscas tradicionais. De acordo com a Adobe, os acessos a sites sugeridos por ferramentas de IA generativa cresceram mais de 1.200% entre julho de 2024 e fevereiro deste ano.
CONHECIMENTO NIVELADO POR BAIXO
A experiência de busca com IA é mais prática – mas isso tem um custo. Se o resumo gerado passar a ser o novo ambiente de disputa para quem produz conteúdo, o “terreno” disponível será muito menor. Resumos curtos não conseguem dar espaço significativo para dezenas de fontes.
Além disso, substituir uma ou outra fonte faz pouca diferença no resultado final. Mesmo que a inteligência artificial passe a exibir um novo site, o resumo gerado continuará sendo uma média – uma síntese padronizada de várias referências.

Aquele link fora do comum, que antes podia se destacar e levar o usuário a descobrir algo novo, pode simplesmente desaparecer. E é exatamente isso que os resumos por IA fazem.
Essa tendência de entregar respostas únicas e diretas pode reduzir a diversidade de ideias e pontos de vista. As opiniões predominantes ganham mais espaço, enquanto vozes dissidentes ou de nicho terão mais dificuldade de serem ouvidas.
Nesse novo cenário, jornalistas e veículos de mídia precisam ir além da simples produção de conteúdo. Precisam se posicionar como fontes com personalidade própria, em um ambiente cada vez mais condensado e cheio de ruído.
MODO IA x MODO TRADICIONAL
Em um mundo no qual sistemas de IA sintetizam dados de milhares de fontes, o que tende a sobreviver são os padrões mais comuns – e não necessariamente as ideias mais criativas ou profundas.
Por isso, os veículos de mídia precisam dominar os dois lados: estruturar o conteúdo de forma que dialogue com a visão dominante, mas também oferecer perspectivas autênticas e únicas – aquelas que realmente fazem diferença para quem está disposto a ir além do resumo superficial.
A experiência de busca com IA é mais prática, mas isso tem um custo.
É uma versão atualizada de uma estratégia de conteúdo diversificada. Só que, no mundo da IA, isso pode significar apresentar esses ingredientes de novas maneiras: possivelmente remixando o conteúdo em formatos reconhecíveis por uma IA multimodal, que dá tanta importância ao áudio e ao vídeo quanto ao texto.
Uma coisa é certa: as respostas geradas por IA vieram para ficar e vencê-las será o jogo a ser jogado. O que ainda não está claro é o que será mais difícil: influenciar os leitores por meio do que o resumo diz ou convencê-los a clicar na bolha do Modo IA para que poder influenciá-los diretamente. Que comecem os jogos.