Não adianta criticar o DeepSeek. Ele é um marco no desenvolvimento da IA

Em vez de compará-lo a eventos históricos como o Sputnik, devemos focar no que ele nos revela sobre o futuro da inteligência artificial

Crédito: Matheus Bertelli/ Pexels

Babak Hodjat 4 minutos de leitura

O lançamento do DeepSeek pegou muita gente de surpresa e gerou intensos debates sobre o impacto do novo modelo na concorrência, na inovação e no futuro da IA. Não há dúvida de que se trata de um grande avanço – ele sacudiu o mercado financeiro e causou um certo pânico na indústria de tecnologia, algo que raramente acontece.

Mas, antes de entrarmos em comparações históricas, vale a pena olhar para o cenário mais amplo. Em vez de comparar o DeepSeek a marcos como o Sputnik, devemos analisá-lo sob outra perspectiva: o que ele nos diz sobre os rumos da IA?

Para mim, o DeepSeek representa uma correção importante no setor que deve acelerar tanto a inovação quanto a adoção da inteligência artificial – uma mudança que já estava em curso há algum tempo.

Lembra quando os primeiros computadores ocupavam salas inteiras? Hoje, um smartwatch tem um poder de processamento imensamente superior. Essa evolução não veio de uma mudança radical na tecnologia, mas de um aprimoramento contínuo da eficiência computacional, permitindo a miniaturização dos dispositivos a um custo muito menor.

Algo semelhante está acontecendo com o DeepSeek. O modelo foi otimizado para ser menor e mais rápido – e essa é exatamente a direção para onde o setor está caminhando. Esse tipo de avanço é fundamental para tornar a inteligência artificial mais acessível e viável para aplicações empresariais em larga escala.

Os modelos tradicionais de IA são grandes, lentos e caros, o que limita seu potencial de uso. Em contrapartida, minha equipe testou versões menores do DeepSeek em um MacBook e ficou impressionada com o desempenho – muito superior ao de modelos de tamanho semelhante lançados há apenas alguns meses.

E tudo isso sem exigir um hardware robusto ou uma grande capacidade de armazenamento. Além disso, esses modelos podem ser treinados mais rapidamente e com menor consumo de recursos computacionais.

O ponto central aqui é o impacto que essa evolução pode ter: a democratização. O monopólio da IA por um pequeno grupo de empresas pode estar com os dias contados, e isso é uma ótima notícia para todos.

SISTEMAS MULTIAGENTES

Até agora, apenas alguns poucos modelos de IA tinham capacidade para lidar com tarefas complexas de raciocínio avançado. As opções eram bastante limitadas para quem queria desenvolver agentes baseados em grandes modelos de linguagem (LLMs, na sigla em inglês).

Mas o DeepSeek mudou esse cenário, abrindo caminho para novos modelos inspirados nele. Estou particularmente interessado em como isso pode impactar a evolução dos agentes de IA e dos sistemas multiagentes.

Nos últimos meses, os agentes autônomos ganharam destaque como uma das formas mais promissoras de utilizar inteligência artificial. Agora, começamos a enxergar como eles podem ser conectados entre si para formar sistemas multiagentes, trazendo ganhos significativos de produtividade e automação.

Créditos: Poetra.RH/ Shutterstock/ Craig Lambert/ Getty Images

Com os avanços do DeepSeek, esses sistemas podem se tornar ainda mais acessíveis, pois podem ser construídos com modelos menores, mais rápidos e mais baratos.

Isso também dá às empresas muito mais flexibilidade na hora de desenvolver e implementar soluções de IA, o que pode acelerar significativamente a adoção dessas tecnologias no setor corporativo.

o DeepSeek mudou o cenário, abrindo caminho para novos modelos inspirados nele.

Um bom exemplo disso é o mercado de seguros. Um avaliador de risco patrimonial, por exemplo, precisa analisar grandes volumes de dados de terceiros, revisar históricos de propriedades semelhantes e tomar decisões sobre a viabilidade e as condições de um seguro. Esse é um processo complexo, que envolve múltiplos atores.

Com sistemas multiagentes mais acessíveis, as seguradoras poderiam automatizar e aprimorar essa análise. Agentes de IA poderiam processar e cruzar dados internos e externos, consolidar diferentes perspectivas e fornecer cenários detalhados sobre riscos, custos e possíveis resultados para cada apólice.

Além disso, rodar esses sistemas em servidores próprios (on-premise), garantindo alta segurança de dados, se tornaria muito mais viável e econômico.

OLHANDO PARA O FUTURO

Hoje, a abordagem dominante no desenvolvimento de agentes de IA é criar um modelo único gigantesco que tenta resolver tudo sozinho. Mas, na prática, esse modelo não é escalável. A ideia de que “quanto maior, melhor” não se sustenta a longo prazo.

Acredito que o futuro está na inteligência coletiva de vários agentes menores e mais especializados, cada um representando uma etapa dentro do fluxo de trabalho de uma empresa.

O DeepSeek trouxe um novo impulso ao setor ao incentivar a criação de modelos mais ágeis, eficientes e acessíveis. Isso abre um enorme leque de possibilidades para a aplicação da IA em diversos segmentos e no ambiente corporativo.

Acredito que veremos uma corrida do ouro para explorar tudo o que esses novos modelos podem oferecer – e como as empresas podem aproveitar essa revolução para impulsionar transformações sem precedentes.


SOBRE O AUTOR

Babak Hodjat é doutor em aprendizado de máquina e chief technology officer da empresa de tecnologia da informação Cognizant. saiba mais