Ensinar a lidar com IA é necessário. Estimular o pensamento crítico é fundamental
Sem pensamento crítico, ética e perspectiva histórica, corremos o risco de formar uma geração que domina a tecnologia, mas ignora suas consequências

A inteligência artificial está sacudindo as bases intelectuais, emocionais e econômicas do mundo. Basta olhar as manchetes ou as redes sociais para perceber que o futuro será muito diferente da realidade que conhecemos hoje.
A tecnologia sempre provocou rupturas. Da fundição de bronze no Benim ao aço no Japão, passando pela construção naval incentivada por Temístocles na Grécia Antiga, a história mostra que grandes inovações tecnológicas costumam provocar mudanças profundas nas sociedades e nos colocam em estado de alerta.
Hoje, esse alerta tem nome: inteligência artificial. Nos EUA, a nova ordem executiva da Casa Branca sobre educação em IA reflete essa mesma inquietação – desta vez, motivada pelos rápidos avanços da China.
É possível que essa medida tenha passado despercebida em meio a tantas outras recentes no país. Mas ela marca um ponto de virada. Apesar das boas intenções, o texto ainda não tem a profundidade necessária para servir de base para uma política educacional sólida sobre IA.
A ordem define seu objetivo como criar “oportunidades para desenvolver as habilidades e o conhecimento necessários para usar e criar a próxima geração de tecnologias de IA”. E propõe três diretrizes principais:
- Introduzir a IA aos estudantes desde cedo.
- Capacitar professores para “incorporar a IA de forma eficaz no ensino.”
- Promover a alfabetização em IA para “formar uma força de trabalho pronta para o futuro.”
Essas ações são importantes. A inteligência artificial representa uma mudança estrutural, que escancara problemas históricos do sistema educacional de muitos países – especialmente a falta de atenção às áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM).
COMO VIVER EM UM MUNDO MOLDADO PELA IA
Ainda assim, iniciativas desse tipo falham em três pontos essenciais. Falo como presidente do Centro de Ciência e Indústria, membro do conselho da Academia Nacional de Ciências, Engenharia e Medicina dos EUA e defensor da educação STEM há décadas: não dá para ensinar IA sem também ensinar pensamento crítico, ética e história.
O debate precisa ir além da capacitação técnica. À medida que a IA – e, futuramente, a inteligência artificial geral – se torna parte de tudo ao nosso redor, surge uma questão fundamental: queremos formar usuários passivos de tecnologia ou cidadãos capazes de tomar decisões conscientes e responsáveis?

Apenas dominar ferramentas tecnológicas nos aproxima mais das máquinas do que de humanos pensantes. Precisamos de uma mudança cultural – uma que incentive o pensamento crítico, o senso ético e a curiosidade dentro e fora da sala de aula.
Entender como funciona a IA é importante. Mas ainda mais essencial é aprender a viver em um mundo moldado por ela. O otimismo tecnológico deve vir acompanhado de perguntas difíceis – ou os cenários mais pessimistas podem acabar se confirmando.
Minha esperança é que as próximas políticas avancem mais, abordando os riscos reais da IA e propondo formas de preparar a sociedade – e a educação – para enfrentá-los de forma prática e profunda.
DÁ PARA ENSINAR PENSAMENTO CRÍTICO?
Um programa ideal de ensino sobre IA precisa incluir muito mais que habilidades técnicas. Também deve abordar, por exemplo:
- As reflexões de Martin Heidegger sobre como a tecnologia molda nossas experiências
- O experimento mental do “maximizador de clipes de papel”, proposto por Nick Bostrom
- A crítica de Shoshana Zuboff ao capitalismo de vigilância
Muito em breve, ensinar IA deixará de ser necessário – ela estará presente em tudo. Nos anos 1990, ensinávamos os alunos a usar o mouse e navegar pela internet. Mas, com o tempo, o design intuitivo tornou isso desnecessário. O mesmo está acontecendo agora com a inteligência artificial – só que muito mais rápido.
O debate sobre educação e IA precisa ir além da capacitação técnica.
Por isso, o foco da educação em IA não pode ser apenas nas ferramentas de hoje, mas na capacidade de entender a evolução da tecnologia ao longo do tempo.
O cientista da computação Alan Kay disse uma vez: “tecnologia é tudo aquilo que foi inventado depois que você nasceu”. Para continuar liderando no cenário global, não basta ter domínio técnico – é preciso também visão cultural. Hoje, a verdadeira questão é qual país vai usar a IA para construir uma sociedade melhor.
Para liderar na era da inteligência artificial, será preciso priorizar a sabedoria, não apenas a inteligência. E isso não virá através de leis, mas sim da força da cultura e dos valores da sociedade.