Inteligência artificial como recurso para lidar com a crise global de saúde mental
Assim como acontece com outras tecnologias disruptivas, o papel da inteligência artificial na saúde mental levanta uma série de preocupações éticas
A crise de saúde mental está se agravando cada vez mais, em grande parte pela escassez de profissionais qualificados. Um relatório da Organização Mundial da Saúde aponta que transtornos mentais afetam uma em cada quatro pessoas ao longo da vida.
Embora representem 10% das condições clínicas em todo o mundo, apenas 1% dos profissionais de saúde atuam nessa área.
Diferenças regionais evidenciam ainda mais a desigualdade no acesso ao tratamento: enquanto alguns países desenvolvidos contam com amplos recursos, nações de baixa renda sofrem com uma grave escassez de profissionais – em alguns lugares, há apenas um psiquiatra para cada 100 mil habitantes.
A falta de profissionais não é um problema exclusivo dos países mais pobres. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Administração de Recursos e Serviços de Saúde projeta uma queda de 20% no número de psiquiatras até 2030, o que pode deixar milhões de pessoas sem tratamento.
Para enfrentar essa crescente escassez, muitos profissionais de saúde têm recorrido à IA, tanto com soluções integradas quanto de terceiros, para ajudar no diagnóstico e em intervenções terapêuticas.
Um dos atrativos da inteligência artificial é sua capacidade de coletar e interpretar dados de várias fontes, como interações com o usuário, padrões de fala e análises emocionais.
Um exemplo é o Liv, uma plataforma desenvolvida pelo Sheba Medical Center, o maior hospital de Israel, que auxilia no diagnóstico de problemas de saúde mental em vítimas da guerra em curso, proporcionando experiências personalizadas e aliviando parte da carga de trabalho dos psiquiatras.
muitos profissionais têm recorrido à IA para ajudar no diagnóstico e em intervenções terapêuticas.
Outro exemplo é o Woebot, um chatbot que oferece terapia cognitivo-comportamental em tempo real. O Emotion Logic, por sua vez, detecta estados emocionais por meio da análise dos padrões de fala e fornece feedback imediato.
“Nossa plataforma permite que profissionais de saúde ajustem as estratégias de tratamento conforme necessário, adaptando o atendimento ao estado emocional atual de cada paciente”, explica Amir Liberman, CEO da Emotion Logic.
QUESTÕES ÉTICAS
Assim como acontece com outras tecnologias disruptivas, o papel da inteligência artificial na saúde mental levanta uma série de preocupações éticas. A IA é eficaz para diagnosticar e identificar certos aspectos emocionais, como sinais iniciais de angústia. No entanto, casos mais complexos exigem a sensibilidade que apenas um terapeuta humano pode oferecer.
Questões como consentimento, privacidade de dados e o uso responsável da inteligência artificial precisam ser cuidadosamente administradas para não comprometer o atendimento. Muitas plataformas de IA estão adotando medidas de segurança para proteger dados emocionais e de saúde mental dos usuários, mas o avanço da tecnologia exige uma atenção constante.
Mark Weiser, diretor do departamento de psiquiatria do Sheba Medical Center, diz que o Liv é, na verdade, um sistema de suporte à decisão clínica que ainda exige um “humano no processo”. Weiser explica que o paciente é primeiro avaliado pelo programa e, depois, encaminhado para a consulta com o psiquiatra.
“A tecnologia não atua sozinha. O psiquiatra ainda conversa com o paciente para confirmar o que o programa detectou”, ressalta. “É surpreendente que os pacientes possam ser diagnosticados e, em alguns casos, receber orientações sem passar por longos processos de avaliação.”
O FUTURO DA IA NA SAÚDE MENTAL
Conforme a tecnologia avança, as plataformas de inteligência artificial se tornam ainda mais eficazes em reconhecer padrões emocionais e comportamentais, possibilitando tratamentos mais personalizados e precisos.
Especialistas acreditam que as ferramentas de IA poderão, em breve, ajudar a suprir a falta de profissionais de saúde mental em todo o mundo.
“No futuro, a inteligência artificial será parte vital da saúde mental holística, ajudando profissionais a oferecer um atendimento mais rápido e acessível”, afirma Liberman.Para ele, plataformas de IA continuarão sendo essenciais para preencher as lacunas nos sistemas de saúde.
Liberman acredita que, com o tempo, haverá uma mudança profunda na forma como a saúde mental é abordada nas consultas. “A precisão da IA poderá torná-la a principal opção, a ponto de a abordagem tradicional conduzida por um humano parecer ultrapassada”, diz ele. “Talvez até irresponsável."
Este artigo foi publicado no “The Conversation” e reproduzido sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.