Quando o prazer vira produto: a estratégia da OpenAI ao permitir conteúdo erótico

Por trás dessa aparente liberalização se esconde uma estratégia mais simples e eficaz: nos manter ocupados, satisfeitos e distraídos

cabeça sem rosto com aplicação de filtro rosa
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Enrique Dans 3 minutos de leitura

A OpenAI anunciou que, a partir de dezembro, o ChatGPT permitirá a geração de conteúdo erótico para usuários adultos verificados. Ao mesmo tempo, a xAI, de Elon Musk, lançou o Grok Imagine, um sistema de geração de imagens que já inclui um modo NSFW ((sigla em inglês para “Not Safe For Work”, usada para indicar conteúdo adulto) para produzir material explícito.

Nada disso deveria causar espanto. O desejo, a fantasia e a pornografia sempre foram motores poderosos da adoção tecnológica. Fotografia, vídeo, internet e até os pagamentos online cresceram, em parte, impulsionados por esse apelo. A questão interessante não é sobre sexo – é sobre o tipo de humanidade que as grandes empresas de tecnologia estão moldando.

Não se trata de pudor ou pânico moral. A sexualidade, inevitavelmente, encontrará suas expressões digitais. O que causa inquietação não é a presença do erotismo na tecnologia, mas sua gestão industrializada.

A diferença entre erotismo e consumo algorítmico é a mesma que existe entre experiência e dopamina: um nasce da relação; o outro é dosado de fora para dentro. Ao integrar a sexualidade a modelos de linguagem e geradores de imagens, as plataformas não estão libertando o desejo, ela o estão administrando.

Elas decidem quais fantasias são “aceitáveis”, quais corpos existem e quais são apagados, quais limites a imaginação merece explorar e quais são censurados de antemão. A promessa é liberdade; o resultado, regulação do prazer.

O problema não é o sexo digital, é o sexo algorítmico. Não é o prazer, mas o controle.

Quando o entusiasmo, a ternura e a curiosidade passam a ser mediados por uma interface, nossa relação com o corpo e com o outro se transforma. Não é moralismo, é arquitetura comportamental.

Os algoritmos aprendem o que nos atrai, reproduzem isso, reforçam e transformam em dependência. O usuário deixa de explorar o desejo e passa a repeti-lo. E a repetição – segura, confortável, sem risco – torna-se uma forma de domesticação.

Não é preciso manipular pessoas com ideologia quando se pode condicioná-las com prazer. A estimulação constante é uma forma de controle muito mais eficaz que a censura jamais foi.

OPENAI E CONTEÚDO ERÓTICO

Não é coincidência que essa expansão aconteça justamente quando os grandes modelos de linguagem amadurecem e as corporações competem para manter os usuários dentro de seus ecossistemas fechados. O sexo, nesse contexto, torna-se apenas mais um vetor de captura de atenção, uma maneira de aprofundar o vínculo emocional entre humanos e máquinas.

O objetivo já não é que a IA responda, mas que acompanhe, excite, acalme e substitua. A fantasia não é a companhia: é o confinamento. Um parceiro artificial programado para nunca desafiar, nunca recusar, nunca sentir. Isso não é libertação tecnológica. É a automação do conforto.

Já vimos esse filme antes. Das redes sociais aos games, o entretenimento digital seguiu a mesma lógica da estimulação permanente. O que muda agora é o terreno: não se trata mais do tempo livre, e sim do próprio desejo, esse núcleo em que emoção e biologia se encontram.

tela de celular com  filtro vermelho indicando conteúdo proibido para menores
Créditos: Monty Lov/ Unsplash/ alexsl/ Getty Images

Transformar o desejo em um serviço administrado por algoritmos é o passo final rumo a uma humanidade dócil, uma em que até a intimidade vira assinatura mensal.

A questão não é moralizar sobre pornografia, mas compreender o que significa entregar o controle da imaginação erótica – uma das forças criativas mais poderosas da humanidade – a sistemas fechados que não explicam como aprendem, o que filtram ou a quem servem.

O que causa inquietação não é a presença do erotismo na tecnologia, mas sua gestão industrializada.

O problema não é o sexo digital, é o sexo algorítmico. Não é o prazer, mas o controle. Quando esses sistemas aprendem a medir, ajustar e estimular o desejo, o livre-arbítrio se torna apenas mais um parâmetro de otimização.

Por trás dessa aparente liberalização de conteúdo esconde-se uma estratégia mais simples e eficaz: nos manter ocupados, satisfeitos e distraídos. Não doutrinados, mas anestesiados. Uma forma de "gado emocional", alimentado por impulsos arquitetados em servidores.

Viramos "ovelhas algorítmicas": artificialmente felizes, produtivas e incapazes de distinguir entre o desejo genuíno e o estímulo fabricado.


SOBRE O AUTOR

Enrique Dans leciona inovação na IE Business School desde 1990, hackeando a educação como consultor sênior de transformação digital na... saiba mais