Musk e Dorsey defendem o fim da propriedade intelectual. Isso é bom para quem?

Especialistas alertam: essa medida pode sufocar a inovação e desmontar décadas de proteção legal

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Chris Stokel-Walker 2 minutos de leitura

Poucas frases são tão diretas quanto a mensagem publicada por Jack Dorsey, cofundador do Twitter, na plataforma que ele já não comanda: “acabem com as leis de PI”.

A ideia recebeu apoio imediato de Elon Musk, atual dono da rede social criada por Dorsey – hoje rebatizada como X. Considerando a relação próxima entre as gigantes da tecnologia e o atual presidente dos EUA – com Musk mantendo laços estreitos com Donald Trump, apesar de algumas divergências –, essa troca de mensagens que pareceu casual merece ser levada a sério.

“Em outro contexto, essas declarações poderiam ser vistas apenas como conversas irrelevantes ou parte do debate público”, afirma Carissa Véliz, especialista em ética da IA da Universidade de Oxford. “Hoje, geram temores reais de que possam virar política em questão de dias.”

Para Véliz, o simples fato de que tuítes tão provocativos sobre acabar com os direitos de propriedade intelectual precisem ser levados a sério mostra como as dinâmicas de poder mudaram.

As grandes empresas de tecnologia já vêm pressionando por mudanças nas leis de direitos autorais. No Reino Unido, o governo recentemente abriu uma consulta pública sobre reformas que permitiriam o uso de obras para treinar IA sem o consentimento prévio dos autores – os detentores de direitos teriam que se manifestar ativamente caso quisessem proibir o uso.

A proposta gerou indignação entre profissionais criativos. “Acabar com as leis de propriedade intelectual é destruir um dos principais incentivos à criação”, afirma Ed Newton-Rex, ex-executivo da Stability AI e um dos críticos mais contundentes da abordagem das big techs em relação a copyright e inteligência artificial.

Ele classificou a troca entre Musk e Dorsey como “uma sugestão absurda, feita por executivos totalmente desconectados da realidade dos criadores”.

“Não surpreende que dois empresários que ganhariam muito com o fim da propriedade intelectual apoiem essa ideia”, diz Véliz. “Mas isso não é nem um pouco positivo para o restante da sociedade, nem encontra apoio fora da bolha de Musk e Dorsey.”

Uma pesquisa recente da YouGov mostra que quatro em cada 10 entrevistados nos EUA acreditam que a inteligência artificial precisa ser muito mais regulada do que hoje. Outros três em cada 10 também defendem algum tipo de regulação extra. Quase 80% temem que a inteligência artificial vá reduzir a criatividade e o potencial humano. 

Acabar com as leis de propriedade intelectual é destruir um dos principais incentivos à criação.

No Reino Unido, mais de 75% das pessoas acham que as empresas de IA deveriam pagar royalties pelo uso de obras humanas no treinamento de seus modelos – reflexo de um ceticismo crescente sobre o impacto da inteligência artificial na criatividade.

“Entre as várias preocupações, uma das principais é a de que, sem proteção à propriedade intelectual, os criadores percam o incentivo para continuar inovando”, destaca Véliz. Isso poderia levar a sistemas de inteligência artificial treinando apenas em conteúdos gerados por outras IAs – degradando a qualidade dos resultados com o tempo.

Além disso, estaríamos abrindo mão de mais de um século de conquistas legais para favorecer um modelo de negócios que já enriqueceu muito seus fundadores. Ao fazer isso, fica evidente qual é a prioridade desses líderes de tecnologia: proteger seus próprios interesses, não os direitos da sociedade.


SOBRE O AUTOR

Chris Stokel-Walker é um jornalista britânico com trabalhos publicados regularmente em veículos, como Wired, The Economist e Insider saiba mais