Não é a IA que está “roubando” empregos humanos: é o investimento em IA

Empresas culpam a IA pelos cortes de pessoal, mas especialistas afirmam que o problema está nos altos investimentos e na falta de retorno financeiro

investimentos em inteligência artificial
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Gary N. Smith e Jeffrey Funk 4 minutos de leitura

Por muito tempo, ouvimos que os sistemas de inteligência artificial logo substituiriam os trabalhadores humanos. Será que essas previsões sombrias finalmente estão se concretizando?

O ChatGPT completa três anos este mês e muitos acreditam que os grandes modelos de linguagem estão prestes a cumprir a promessa de substituir o trabalho humano.

Esses sistemas já são usados para redigir e-mails e relatórios, resumir documentos e executar diversas tarefas típicas de gestores. Outras formas de IA generativa produzem imagens e vídeos publicitários, além de escrever códigos de software.

Da Amazon à General Motors e Booz Allen Hamilton, empresas vêm anunciando demissões e atribuindo-as à IA. A Amazon afirmou que cortaria 14 mil empregos. A empresa de logística UPS informou ter reduzido sua equipe de gestão em cerca de 14 mil posições nos últimos 22 meses.

Ainda assim, há motivos para duvidar dessa justificativa. Um estudo recente do MIT Media Lab concluiu que 95% dos projetos piloto de IA generativa em empresas estão fracassando. Outro levantamento, da Atlassian, revelou que 96% das companhias “não viram melhorias significativas em eficiência, inovação ou qualidade do trabalho”.

Outra pesquisa apontou que 40% dos profissionais entrevistados receberam “lixo de IA” (ou seja, resultados ruins) no último mês, e que cada erro leva, em média, quase duas horas para ser corrigido. Além disso, esses profissionais disseram “não confiar mais em colegas que usam IA, considerá-los menos criativos e menos competentes”.

IA, SOZINHA, NÃO ROUBA EMPREGOS

A tecnologia pode não estar entregando tanto quanto prometeu, mas, mesmo assim, é improvável que ela seja a verdadeira causa das demissões. Muitos analistas apontam para o período de contratações aceleradas no setor de tecnologia durante e após a pandemia, quando o Federal Reserve dos EUA (equivalente ao Banco Central, no Brasil) manteve as taxas de juros próximas de zero.

Segundo a repórter Danielle Kaye, da BBC, essa expansão “preparou as empresas para reduções de pessoal inevitáveis – uma dinâmica independente do boom da IA generativa dos últimos três anos”.

No caso das demissões no setor de tecnologia, o culpado mais provável é o estresse financeiro provocado pelos enormes gastos com infraestrutura de IA. Companhias que investem pesado sem aumentar a receita tentam sustentar a lucratividade cortando custos.

seta em forma de cédula de dinheiro representa investimentos em inteligência artificial
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A Amazon aumentou seu investimento total de capital de US$ 54 bilhões em 2023 para US$ 84 bilhões em 2024 e estima-se que chegue a US$ 118 bilhões em 2025. A Meta garantiu uma linha de crédito de US$ 27 bilhões para financiar seus data centers. Já a Oracle pretende tomar emprestados US$ 25 bilhões por ano nos próximos anos para cumprir seus contratos de IA.

“Estamos ficando sem formas simples de levantar mais fundos, então o corte de custos será inevitável”, escreveu Pratik Ratadiya, chefe de produto da startup de IA Narravance, na rede X. “Acredito que as empresas gastaram demais com LLMs antes de estabelecer um modelo financeiro sustentável para essas despesas.”

o CEO da Amazon, Andy Jassy confirmou que as demissões “nem sequer são motivados pela IA”.

Não é a primeira vez que vemos esse roteiro. Quando as empresas enfrentam dificuldades financeiras, a solução mais fácil é demitir e exigir mais de quem fica, com o discurso de que deveriam ser gratos por ainda terem emprego. A IA, nesse contexto, é apenas uma desculpa conveniente.

Na semana passada, ao anunciar o corte de 14 mil empregos corporativos e insinuar novas demissões, um executivo da Amazon destacou que a atual geração de IA “está permitindo que as empresas inovem mais rápido do que nunca”.

Pouco depois, outro representante admitiu anonimamente à NBC News que “a IA não é a razão por trás da maioria das reduções”. Em uma teleconferência com investidores, o CEO Andy Jassy confirmou que as demissões “nem sequer são motivados pela IA”.

RECEITA QUE NÃO SUSTENTA A DESPESA

Os números também não sustentam a narrativa. A receita da IA generativa segue crescendo lentamente, insuficiente tanto para justificar o número de demissões atribuídas à tecnologia quanto para compensar os investimentos bilionários em infraestrutura de nuvem.

Esses investimentos podem chegar a US$ 1 trilhão em 2025, enquanto a receita com IA – que deveria cobrir o uso dessa infraestrutura – não deve ultrapassar US$ 30 bilhões este ano. É plausível acreditar que uma receita tão pequena esteja provocando tamanha onda de demissões?

Os investidores, por sua vez, parecem divididos entre o otimismo e o medo. A receita é muito pequena para plataformas como a OpenAI, que compram infraestrutura – mas enorme para empresas que a vendem, como a Nvidia.

demissão por vingança
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O valor de mercado da Nvidia ultrapassou recentemente US$ 5 trilhões, enquanto a OpenAI admite que acumulará perdas de US$ 115 bilhões até 2029. Com o histórico de previsões exageradas de Sam Altman, é provável que o prejuízo real seja ainda maior.

A falta de transparência também complica o cenário. OpenAI, Anthropic e outras empresas de IA não são companhias de capital aberto e, portanto, não são obrigadas a divulgar balanços auditados a cada trimestre. E a maioria das big techs não separa os números de IA de suas demais receitas, com exceção da Microsoft. Estamos, portanto, voando às cegas.

Os exageros dos defensores dos grandes modelos de linguagem certamente ajudam a levantar capital para sua busca quixotesca pela inteligência artificial geral. Mas isso não nos aproxima desse objetivo, apenas desvia recursos físicos, financeiros e humanos de iniciativas muito mais promissoras.


SOBRE O AUTOR

Gary N. Smith é professor de economia na Pomona College. Jeffrey Funk é palestrante e consultor de tecnologia. saiba mais