O “imposto cognitivo” que pagamos ao usar a inteligência artificial
Embora a IA facilite o trabalho, precisamos estar cientes do custo mental envolvido e aprender formas de reduzi-lo
Trabalho na interseção entre gestão e inteligência artificial, duas áreas que estão evoluindo em velocidades muito diferentes. Tenho visto de perto como as ferramentas de IA generativa democratizam o acesso ao conhecimento, aceleram o aprendizado e estimulam a criatividade de formas inimagináveis.
Sua capacidade de transformação é impressionante. Um relatório recente da AI Forward Alliance apontou que capacitar mulheres e meninas nessa área pode adicionar US$ 212 bilhões à economia global, além de fortalecer a resiliência econômica.
No meu dia a dia, uso ferramentas de IA generativa em três frentes principais: planejamento estratégico, captação de recursos e suporte à equipe. Apesar de extremamente úteis, essas ferramentas também geram um grande volume de informações em formato de listas, o que contribui para o que chamo de “imposto cognitivo”.
Esse custo mental é maior em tarefas que exigem criatividade e tomada de decisão, como o desenvolvimento de estratégias. Por exemplo, se peço à inteligência artificial ideias para aumentar o engajamento global de voluntários, recebo uma lista com pelo menos oito sugestões.
Minha reação inicial é de empolgação: todas parecem ótimas para explorar e implementar. No início, eu compartilhava essas listas com minha equipe, que também ficava impressionada.
Mas, na prática, nada acontecia. O próximo passo – filtrar todas essas ideias geradas rapidamente a partir de um comando – é trabalhoso. Como o esforço necessário para criá-las não é evidente, acabamos não lhes dando o valor que deveríamos.
O verdadeiro desafio é transformar essas ideias em ações concretas, integrando-as aos fluxos de trabalho existentes. Isso exige colaboração humana, alocação de recursos e lidar com as inevitáveis complexidades do mundo real.
Hoje, quando recebo sugestões da IA, faço uma triagem inicial e, depois, envio um e-mail à equipe, propondo uma reunião para discutirmos como colocá-las em prática.
A situação é um pouco diferente quando o foco é captação de recursos e relacionamento. Tanto ONGs quanto financiadores estão recorrendo à inteligência artificial para criar propostas, relatórios e solicitações de apoio.
Muitas vezes, me pergunto: “isso foi escrito por alguém ou por uma IA?”. Assim como cartas escritas a mão se tornaram raras, o conteúdo produzido por humanos também está diminuindo. Contudo, ele continuará sendo valioso porque, no fundo, todos buscamos conexões genuínas.
O desafio será distinguir entre o que foi criado por IA e por pessoas. No futuro, o foco pode mudar para reuniões presenciais e visitas que fortalecem a confiança de uma forma que interações virtuais não conseguem.
CONFIANÇA E CONEXÕES SÃO ESSENCIAIS
No meu trabalho, a confiança é a base de tudo. Seja para aprender com especialistas, inspirar um potencial apoiador ou alinhar a equipe em torno de um plano estratégico, tudo depende de confiança mútua.
Ferramentas de IA generativa têm o potencial de ampliar nossas redes e melhorar o fluxo de informações. Mas, ao mesmo tempo, vão transformar a forma como nos relacionamos.
Assim como cartas escritas a mão se tornaram raras, o conteúdo produzido por humanos também está diminuindo.
Eventos presenciais, por exemplo, podem evoluir para momentos mais focados em experiências práticas, brainstorming criativo e aprendizado imersivo. Além disso, esses encontros também podem trazer perspectivas mais diversas em termos globais – algo que os modelos de inteligência artificial, muitas vezes limitados a visões majoritárias das regiões mais desenvolvidas, têm dificuldade de captar.
O Fórum Econômico Mundial estima que, enquanto um quinto das empresas prevê que a IA e a automação vão substituir funções atuais, mais da metade acredita que essas tecnologias vão criar novas oportunidades. Estamos testemunhando uma transformação tecnológica que está redefinindo o mercado de trabalho em tempo real.
Acredito que podemos preservar e expandir as partes mais criativas e interessantes do nosso trabalho. Esse cenário de mudança me faz lembrar de uma famosa frase do escritor francês André Gide: “não se pode descobrir novas terras sem aceitar perder de vista a costa por um longo tempo”.