Será que a IA é mesmo capaz de potencializar a criatividade humana?

A inteligência artificial acelera e enriquece o processo criativo, mas a verdadeira criatividade continua dependendo da imaginação humana

Créditos: Pawel Czerwinski/ Brooke Balentine/ John Cameron/ Unsplash

Sky Kelley 3 minutos de leitura

Por volta de 1450, o universo criativo passou por uma grande transformação. A imprensa acabava de ser inventada e os escribas – muitos deles monges que passavam a vida copiando textos à mão – viram seu trabalho se tornar obsoleto quase da noite para o dia.

Mas, em pouco tempo, aquela novidade que parecia uma ameaça acabou abrindo caminho para algo maior: a democratização do conhecimento, o Renascimento e o surgimento de novas funções, como editores, tipógrafos, impressores e ilustradores.

Séculos depois, o Photoshop despertou preocupações parecidas. Muitos artistas temiam que a ferramenta diminuísse o valor das técnicas tradicionais e prejudicasse a autenticidade das imagens.

O que aconteceu, porém, foi exatamente o contrário: ela virou um dos pilares do design gráfico moderno, ampliou as possibilidades criativas e tornou a produção visual muito mais acessível.

Com frequência, tecnologias que inicialmente parecem uma ameaça acabam se tornando parceiras indispensáveis do trabalho criativo. Quem trabalha com criação tem, por natureza, a capacidade de olhar além do já existe e incorporar ferramentas para acelerar processos, aumentar o impacto e ampliar o alcance do seu trabalho.

ENTRA EM CENA A IA

As preocupações sobre os efeitos da IA no trabalho criativo já são amplamente discutidas. Mas, por outro lado, a tecnologia vem mostrando inúmeras formas de oferecer, em poucos segundos, dados, padrões e referências que liberam os criadores para se dedicar ao que realmente importa: criar.

Na minha área – ajudar designers a explorar todo o potencial emocional, narrativo e comercial das cores –, a inteligência artificial pode ser uma aliada valiosa. A Pantone, por exemplo, lançou recentemente uma ferramenta que usa IA conversacional para acelerar as etapas de pesquisa e inspiração. Ela ajuda a explorar paletas, acompanhar tendências e criar conceitos.

Mas, apesar de conseguir organizar informações e identificar padrões, os insights que apontam para o futuro continuam dependendo da sensibilidade humana.

Eles exigem análise cultural, interpretação, intuição e imaginação. As ferramentas apenas ajudam designers a responder com mais rapidez e profundidade – antes é necessário que especialistas reconheçam essas tendências.

O PAPEL ESSENCIAL DA IMAGINAÇÃO HUMANA

Quando a Pantone escolheu Mocha Mousse como a Cor do Ano de 2025 – um marrom que reflete nosso desejo por prazeres simples do dia a dia –, nenhum modelo de IA teria captado o clima cultural que inspirou essa escolha.

Foram analistas humanos que perceberam a busca crescente por conforto, acolhimento e um tipo de luxo mais pessoal, representados nesse tom profundo.

Prever tendências culturais exige pessoas capazes de captar sinais antes de eles se tornarem visíveis, que entendem quando o conforto passa a valer mais que a aventura, quando a expressão individual reage à padronização e quando o nostálgico volta a parecer novo.

Especialistas em cores acompanham produções de cinema, movimentos da moda, artistas emergentes, mudanças sociais, novos estilos de vida, tecnologias e materiais – tudo para entender para onde estamos caminhando.

Afinal, somos animais – e animais usam cores como sinais cheios de significado: para atrair parceiros, afirmar identidade, expressar emoções e alertar sobre perigos.

Assim como alguns pássaros usam tons vibrantes para atrair fêmeas e algumas cobras possuem faixas vermelhas para afastar predadores, também usamos a cor para comunicar quem somos e o que desejamos.

Essas mensagens mudam de acordo com o momento cultural – e nenhum algoritmo é capaz de prever isso sozinho. É preciso sensibilidade humana para enxergar o que está surgindo antes que se torne evidente.

Da imprensa ao Photoshop e agora à IA, novas tecnologias têm ampliado o que os criadores conseguem fazer. Elas tornam processos mais rápidos, ousados, acessíveis e viáveis.

A inteligência artificial pode ajudar a descobrir novas combinações de cores e interpretar tendências. Mas a visão, o repertório cultural e a capacidade de perceber o que realmente toca as pessoas continuam sendo profundamente humanos.

A IA é uma ferramenta poderosa, mas funciona melhor quando complementa – e não tenta substituir – a imaginação e o olhar humano.


SOBRE A AUTORA

Sky Kelley é presidente da Pantone. saiba mais