15 milhões de toneladas de entulho serão um problema de saúde pública em Gaza

Uma mistura tóxica de poeira, cinzas e outros materiais agora cobre o território

Crédito: Ahmad Hasaballah/ Getty Images

Saqib Rahim 5 minutos de leitura

Nos meses desde o ataque do Hamas, que matou cerca de 1,2 mil pessoas e fez outras centenas de reféns, as forças israelenses retaliaram atacando a Faixa de Gaza para eliminar o grupo terrorista. Até o momento, a ofensiva matou cerca de 22 mil palestinos e teve um impacto severo na qualidade do ar, água e solo do território, – colocando em risco a saúde a longo prazo dos residentes.

A destruição supera qualquer coisa que os habitantes de Gaza já tenham enfrentado. Os contínuos ataques aéreos, navais e terrestres, segundo estimativas da ONU, danificaram ou destruíram cerca de um quinto das estruturas da região.

De acordo com Thorsten Kallnischkies, um ex-gestor de resíduos em situações de desastre, que assessorou operações de limpeza em 20 países, 15 milhões de toneladas de detritos agora estão espalhadas pela Faixa de Gaza.

Quando aproximadamente 40 mil edifícios foram destruídos, o concreto, isolamento e outros materiais foram reduzidos a uma poeira tóxica. O campo de refugiados de Jabalia, por exemplo – uma extensa área de condomínios residenciais conhecida por conter amianto – tem sido alvo de repetidos ataques.

Sem acesso terrestre a Gaza, os observadores dependem de sensoriamento remoto para avaliar os impactos ambientais.

Pesquisas após os ataques de 11 de setembro de 2001 nos EUA foram pioneiras em associar a exposição a essa mistura de detritos a doenças pulmonares, respiratórias e câncer. Especialistas em saúde pública afirmam que o número de mortes por doenças relacionadas aos detritos resultantes da destruição das torres gêmeas em Nova York em breve ultrapassará o causado diretamente pelos ataques.

Defensores da saúde ambiental argumentam que precisamos dar a mesma atenção a Gaza e a outras zonas de guerra. “Podemos afirmar, de forma bastante sólida, que os civis nesses locais estão inalando com frequência muita poeira dos detritos”, observa Wim Zwijnenburg, pesquisador da organização pacifista holandesa PAX.

PESQUISA INDICA DOENÇAS

Gaza está entre os lugares mais urbanizados do mundo. Isso faz com que a poluição tóxica associada a décadas de conflito seja um dos “graves problemas de saúde pública e ambientais a longo prazo” enfrentados por seus habitantes, de acordo com um relatório da PAX divulgado em dezembro. “Sabemos que é um risco, só não sabemos o quão grave é a situação”, diz Zwijnenburg.

A maioria dos materiais de construção é inofensiva em seu estado normal, mas, quando são explodidos, se tornam perigosos para a saúde. “Assim como a fumaça do tabaco, é uma mistura tóxica”, explica Ana Rule, professora assistente na Escola de Saúde Pública Bloomberg, da Universidade Johns Hopkins.

O nariz e a garganta podem filtrar partículas maiores, mas as menores entram no corpo, indo para os pulmões, corrente sanguínea e outros sistemas críticos.

Prédio destruídos por bombardeios na Faixa de Gaza (Crédito: Abdallah ElHajj/ iStock)

Em 2011, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) dos EUA lançou o Programa de Saúde do World Trade Center para identificar, compreender e tratar doenças relacionadas ao 11 de setembro.

O Centro documentou uma extensa lista de doenças e estima que mais de 6,5 mil inscritos no programa tenham morrido, embora nem todas essas mortes sejam necessariamente devido a sequelas por inalação de materiais tóxicos.

Os casos mais comuns observados incluem doenças aerodigestivas, condições de saúde mental e câncer. Uma rede de clínicas nos EUA trata essas condições gratuitamente.

Em um artigo publicado em 2021, os funcionários do programa classificaram seu trabalho como “um modelo de como abordar os complexos problemas de saúde que surgem no curto e no longo prazo como consequência de qualquer desastre ambiental em larga escala”.

Guerra civil na Síria já dura mais de uma década (Crédito: Amer Almohibany/ Unicef)

As guerras na Síria, Ucrânia e Iraque apresentam desafios semelhantes. O conflito na Síria destruiu um terço das moradias do país e um quarto de sua cobertura florestal.

Na Ucrânia, os ataques russos a usinas nucleares, refinarias de petróleo e minas estão entre as milhares possíveis fontes de poluição perigosa.

No Iraque, onde os combatentes do Estado Islâmico frequentemente incendeiam poços de petróleo, Zwijnenburg viu petróleo bruto fluindo em piscinas abertas e ovelhas cobertas pela fuligem.

FUMAÇA TÓXICA

Sem acesso terrestre a Gaza, os observadores dependem de sensoriamento remoto e informações públicas para avaliar os impactos ambientais. A partir de análises por satélite, He Yin, professor assistente de geografia da Universidade Estadual de Kent, estima que o conflito tenha danificado de 15% a 29% das terras aráveis de Gaza.

O relatório da PAX aponta uma nuvem de fumaça preta de uma fábrica de refrigerantes, indicando a queima de plásticos, e danos graves em um campus industrial que fabrica medicamentos, cosméticos e outros produtos químicos.

Os ataques aéreos, navais e terrestres danificaram ou destruíram um quinto das estruturas da região, segundo estimativa da ONU.

Em novembro, o “The New York Times” noticiou um grande incêndio em uma estação de tratamento de água, uma situação preocupante em um dos lugares com maior escassez de água no mundo.

Os detritos provavelmente também representarão um risco. Concreto e amianto são duas prováveis ameaças à saúde pública. O amianto é seguro em seu estado inerte, mas, quando destruído, libera fibras microscópicas que podem entrar no corpo com facilidade. Inalar sílica, um ingrediente fundamental do cimento e do vidro, também aumenta o risco de câncer.

O relatório da PAX recomenda que, quando os tiroteios e bombardeios cessarem, autoridades da ONU e do Banco Mundial liderem uma avaliação ambiental abrangente. Identificar toxinas no ambiente e pessoas que podem ter sido expostos a elas permitiria que os profissionais de saúde pública monitorassem as doenças que precisam ser observadas.

Este artigo foi publicado originalmente na Grist, organização de mídia independente e sem fins lucrativos especializada na questão climática.


SOBRE O AUTOR

Saqib Rahim é jornalista freelancer baseado em Jerusalém. saiba mais