A esperança feroz que imagina um futuro para além da distopia
Audax M. Gawler nos convida a olhar o futuro pela lógica da não-binariedade, da sobrevivência coletiva, do humano em simbiose com a natureza, do descanso radical e da esperança

O futuro é fluido, instável, incerto. Nada disso assusta Audax M. Gawler. Artiste e pesquisadore de futuros, ile transforma a incerteza em combustível para algo mais poderoso que qualquer big tech ou presidente norte-americano: a esperança, o sonho e a imaginação. É dessa fagulha que pode nascer um futuro que não é utopia nem distopia, mas um espaço em movimento, vivo e múltiplo. Uma transtopia.
Natural da Austrália, Audax M. Gawler chega ao Brasil para apresentar “Muto”, uma instalação artística que remunera pessoas trans pelo descanso e pelos sonhos de futuro. O espaço faz parte da 4ª Feira do Orgulho Trans e da 8ª Marcha do Orgulho Trans, marcados para acontecer em São Paulo, no final de setembro. Evento organizado pela [SSEX BBOX] consultoria.
Com redes, folhas e luzes amareladas, a instalação convida o público a viver em um futuro no qual a natureza é o templo e as pessoas trans são os visionários. Um cenário que poderia também ser o presente “O planeta é não binário. A Terra é trans. Estamos falando de futuro regenerativos, como nos regeneramos? Aprendendo com aquela comunidade que está constantemente se transformando e que vive na fluidez", diz.
Assim como a carreira de Audax M. Gawler, "Muto" ultrapassa o campo das artes e se conecta ao design especulativo e ao futurismo crítico. “Quero trazer as pessoas por inteiro para o futuro. Que elas possam tocar, cheirar, provar e, assim, se transportar para esse tempo possível, porque sim, esse tempo é possível. O futuro precisa ser tangível para ser criado”, afirma.
A ESPERANÇA TEM GARRAS

As borboletas coloridas não escondem a brutalidade do cenário atual. Um cenário que conta com o colapso do meio ambiente, guerras guiadas por drones e o crescimento do discurso de ultradireita. O apocalipse nunca pareceu tão perto.
“Estamos vivendo em um período terrível de colapso e decomposição", afirma com a voz preocupada. “E é uma coisa bela. Sabemos que uma árvore precisa cair na floresta para que uma nova vida possa nascer”.
Audax parte da ideia de que a regeneração virá a partir de novas estruturas, assim como a pupa se desintegra para uma borboleta nascer. “O mundo não chegou onde está por acidente. É por design. Precisamos nos reconfigurar, precisamos revisar, redesenhar", diz.
Mas não é possível redesenhar algo em meio ao desespero entre guerras ou entre uma crise de eco-pânico e outra. Se é para rasgar o mapa que nos trouxe até aqui, a humanidade precisa de novos frameworks.
Na visão de Audax M. Gawler, redesenhar o futuro demanda duas atitudes que, por muito tempo, foram vistas como fraqueza no mundo ocidental e hiper-produtivo: esperança e descanso.
A esperança dá o norte para se ver além do apocalipse – ou das distopias. É o sentimento que alimenta revoluções. “Quando falamos de futuros radicais, a esperança não é algo doce, ingênuo ou suave. Ela é selvagem, ela é o que mantém a ideia viva. É o que nos faz resistir. A esperança é febril, forte e poderosa. A esperança tem dentes. Esperança é um bicho com garras”, afirma.
O DESCANSO DÁ ASAS
Para se transformar em borboleta-monarca, a lagarta passa três semanas em forma de crisálida. Não é à toa que o animal é a inspiração para Muto. Audax Gawler vê, nesse tempo de “casulo”, a simbologia perfeita para a necessidade do descanso para alimentar a transformação.
“Em repouso obtemos as visões, e as visões são o que nos ajudam a criar o futuro. Não podemos criar nada se não tivermos espaço para a imaginação", afirma.
E é justamente essa pausa que "Muto" propõe. Na instalação, pessoas trans são convidadas a deitar, respirar, meditar e sonhar durante uma hora, um tempo remunerado, porque, para Audax, descansar é um trabalho sagrado.

Com redes suspensas, folhas, luz amarelada e uma atmosfera que mistura natureza e ficção especulativa, "Muto" transforma o descanso em experiência coletiva. Ao final, cada participante escreve suas visões de futuro, compondo um arquivo vivo de sonhos.
Audax Gawler se debruçou sobre o conceito de “descanso revolucionário” depois que percebeu que… ile não sabia descansar. Em 2020, durante os longos períodos de lockdown em sua cidade natal, Melbourne, o artiste se viu sem conseguir parar de trabalhar. Mesmo em casa. Ile, então, tornou o descanso um projeto.
“Ninguém nos ensina a descansar”, comenta. Nesse esforço de aprender mantras, meditações e técnicas de “desligar” a mente, Audax viu a conexão com processos naturais como gestação e regeneração.
“Estamos sempre em movimento, sempre produzindo. Mas o planeta se regenera em ciclos, em pausas. Nós também precisamos parar de modo a nos recompor”, afirma. Quando se trata da comunidade trans, que está em luta constante pela existência e para obter direitos básicos, a pausa, o descanso, é fundamental para a resiliência.
SYMBIOPUNK PELA FRENTE
Audax Gawler fundou o symbiopunk, um movimento multifacetado orientado para busca de um futuro em que as espécies da Terra vivam em colaboração completa. Com a intenção de contribuir para a criação do simbioeceno, o movimento substitui os mitos do excepcionalismo humano por uma celebração do mutualismo complexo das ecologias da Terra.
Inspirado pela simbiose da bióloga Lynn Margulis e pelo conceito de simbioeceno, proposto Glenn Albrecht, com o symbiopunk, propõe um futuro no qual seres humanos e natureza se reintegram em todas as dimensões: emocional, tecnológica e espiritual. Trata-se, como coloca Audax, de “um esforço para conceber, criar e, ao menos, preparar o presente para que esse futuro simbiótico possa existir.”
O symbiopunk é proposto como um método para criar o Simbióceno — imaginado por Glenn Albrecht como uma era em que seres humanos e natureza se reintegram em todas as dimensões: emocional, tecnológica e espiritual.


Essa visão se materializa em trabalhos como CARRYKIN, uma instalação imersiva apresentada pela primeira vez em 2023, na Blindside Gallery, em Melbourne.
Nela, Audax M. Gawler imagina um futuro moldado pela regeneração climática e por um novo pacto de cuidado entre espécies: um programa de gestação compartilhada no qual humanos oferecem seus corpos como lar temporário para espécies marinhas ameaçadas pela perda de habitat.
Na instalação, o público é recebido em uma clínica especulativa, com artefatos, cartazes e produtos que poderiam existir nesse mundo. Tudo pode ser tocado, lido, experimentado. Em 2023, o projeto recebeu Prêmio Futuros Mais Significativos da Associação de Futuristas Profissionais, na categoria Imaginativa.
Embora em evolução, Audax menciona cinco pilares do simbiopunk: resistir, relacionar, reparar e reabastecer. E deixa o convite aberto para quem quiser testar, criar ou sonhar a partir desse olhar. “Não acho que temos que esperar por futuros melhores ou piores. Acho que temos que trabalhar para existirem futuros", finaliza.
SERVIÇO: Mutō
Local: Galeria Metrópole (lojas 22, 23 e 24); Av. São Luís, 187 - República, São Paulo
Datas da Instalação: 18 a 25 de setembro de 2025 ; (fechado no domingo, dia 21)
Horário de visitação: 16h às 21h
Sessões por dia: 4 sessões de 1 hora — o agendamento estará disponível pelo WhatsApp a partir do dia 10 de setembro
Valor pago para cada visitante: R$100
Além disso, você pode fazer doações por Pix para a IA especializada, tecnologia é criada pela BONDE.AI e é totalmente segura para receber contribuições. Mais informações no WhatsApp: +55 11 93619-9130.