A Groenlândia está derretendo e isso é péssimo para cidades costeiras
O manto de gelo está derretendo mais rápido que o previsto, o que fará o nível do mar subir pelo menos 25,4 centímetros
Estou à beira do manto de gelo da Groenlândia, hipnotizado por uma cena assustadora de destruição natural. Um bloco de 1,6 km de largura de geleira está se desprendendo e desmoronando no oceano, formando um imenso iceberg.
Felizmente, estou assistindo tudo de um penhasco a alguns quilômetros de distância. Mas, mesmo aqui, posso sentir os choques sísmicos no chão. Apesar de ser um espetáculo, estou ciente de que isso é um fato alarmante para as cidades costeiras do mundo todo.
Um estudo publicado no dia 29 de agosto de 2022 demonstra, pela primeira vez, que o manto de gelo da Groenlândia está tão desequilibrado que não pode mais sustentar seu tamanho atual. Está condenado a recuar em pelo menos 59 mil quilômetros quadrados, uma área consideravelmente maior que a Dinamarca, país ao qual esta região autônoma pertence.
Mesmo que todas as emissões de gases de efeito estufa
A Groenlândia retém água suficiente para elevar o nível do mar em 7,3 metros.
cessassem hoje, descobrimos que a perda de gelo da Groenlândia, sob as temperaturas atuais, aumentará o nível global do mar em pelo menos 25,4 centímetros. Apesar de ser mais do que os modelos atuais preveem, ainda é uma estimativa altamente conservadora.
Nosso estudo adota uma abordagem completamente nova – é baseado em observações e teoria glaciológica, em vez de modelos numéricos sofisticados. A geração atual de modelos acoplados de clima e manto de gelo usados para prever o aumento futuro do nível do mar falham em integrar os processos que agravam a perda de gelo na região.
COMO CHEGAMOS A ESSE PONTO
O manto de gelo da Groenlândia é um enorme reservatório do formato de uma tigela de cabeça para baixo. O gelo está em fluxo constante, indo do interior para as bordas, onde derrete ou forma icebergs. Ao todo, retém água suficiente para elevar o nível global do mar em 7,3 metros.
Atualmente, vivemos um período interglacial. Nos últimos seis mil anos, a Groenlândia, como o resto do planeta, se beneficiou do clima ameno e estável e manteve sua camada de gelo em equilíbrio – até recentemente.
Mas, desde 1990, com o aquecimento da atmosfera e dos oceanos devido ao rápido aumento das emissões de gases de efeito estufa, houve um desequilíbrio na massa de gelo. As perdas resultantes do aumento do derretimento, chuva, fluxo de gelo e desprendimento agora excedem em muito o ganho líquido do acúmulo de neve.
O QUE PODEMOS ESPERAR NO FUTURO?
As questões fundamentais são a velocidade da perda de gelo na Groenlândia e o que isso significa para o futuro aumento do nível do mar.
A perda de gelo na região tem contribuído com aproximadamente um milímetro por ano para o aumento global do nível do mar na última década. Essa perda líquida é dividida entre o derretimento da superfície e os processos dinâmicos que aceleram o fluxo de saída da geleira.
Embora complexo em sua manifestação, o conceito é simples: as camadas de gelo derretem sob clima quente. No entanto, o futuro é difícil de prever.
Os modelos usados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas preveem uma contribuição da Groenlândia para o aumento do nível do mar de cerca de 10 centímetros até 2100, podendo chegar a 15 centímetros, em um cenário pessimista. Mas essa previsão está em desacordo com o que os cientistas de campo estão testemunhando acontecer na própria camada de gelo.
De acordo com nossas descobertas, a Groenlândia perderá pelo menos 3,3% de seu gelo, o equivalente a mais de 100 trilhões de toneladas. Essa perda é inevitável – o gelo precisa derreter e formar icebergs para restabelecer o equilíbrio.
Estamos observando muitos processos que os modelos tradicionais não consideram e que aumentam a vulnerabilidade do manto de gelo. Por exemplo:
- O aumento da chuva está acelerando o derretimento da superfície e o fluxo de gelo.
- Grandes extensões da superfície do gelo estão passando por um escurecimento, o que acelera o derretimento e causa impacto no recongelamento da neve. Essas superfícies mais escuras absorvem mais radiação solar, gerando ainda mais derretimento.
- Correntes oceânicas quentes de origem subtropical estão invadindo os fiordes da Groenlândia e erodindo rapidamente as geleiras.
- Lagos supraglaciais e redes fluviais estão sendo drenados pelas fraturas e moulins (cavernas verticais de gelo), trazendo consigo grandes quantidades de calor latente. Este “aquecimento crio-hidráulico” dentro e na base da camada de gelo amolece e descongela o leito, acelerando assim o fluxo de gelo para as margens.
NÃO É TARDE DEMAIS
Apesar de ameaças de inundações catastróficas continuarem sendo ignoradas pela maioria das pessoas que vivem em áreas no nível do mar, afirmar que os riscos para a humanidade são altos soa como um eufemismo.
Pessoalmente, continuo esperançoso de que podemos encontrar o caminho certo. Não acredito que tenhamos ultrapassado nenhum limite que torne o cenário irreversível. Pelo que sei sobre o manto de gelo e aprendi com as descobertas do nosso estudo, não é tarde demais para agir.
Mas devemos parar de usar combustíveis fósseis e reduzir as emissões o quanto antes, porque o tempo é curto e o nível do mar está subindo – mais rápido do que o previsto.