A IA está com sede e ninguém sabe quanta água ela realmente bebe

Consumo varia bastante entre os data centers – e a transparência nos relatórios das empresas ainda deixa a desejar

Crédito: Marissa Rodriguez/ Unsplash

Peyton McCauley e Melissa Scanlan 3 minutos de leitura

Com a crescente demanda por inteligência artificial, a construção de data centers avança em ritmo acelerado no mundo todo. Mas, além de energia e espaço físico, essas estruturas dependem de outro recurso essencial: água.

Esses centros consomem água de duas maneiras. Diretamente, por meio dos sistemas de resfriamento que circulam entre os servidores, e indiretamente, já que a produção da energia elétrica necessária para mantê-los também exige enormes volumes de água.

Um relatório do Laboratório Nacional de Lawrence Berkeley, nos EUA, estima que, só em 2023, os data centers do país usaram 64 bilhões de litros de água diretamente para resfriamento, e que esse número pode dobrar ou até quadruplicar até 2028.

O mesmo estudo calculou ainda que outros 800 bilhões de litros foram consumidos indiretamente para produção de energia elétrica. Mas, em um setor que muda tão rápido, esses números ainda são apenas projeções.

Nossa análise de registros públicos, documentos governamentais e relatórios de sustentabilidade de grandes empresas mostrou que as gigantes de tecnologia raramente revelam com clareza quanto de água seus data centers realmente utilizam.

Em geral, os relatórios de sustentabilidade são os que trazem mais detalhes. Em 2024, por exemplo, apenas um data center em Iowa consumiu 3,8 bilhões de litros de água – o suficiente para abastecer todas as casas do estado por cinco dias.

COMO OS DATA CENTERS USAM ÁGUA?

Os servidores trabalham intensamente e geram muito calor. Para resfriá-los, os data centers usam enormes quantidades de água – em alguns casos, mais de 25% de todo o abastecimento local. Em 2023, o Google declarou ter consumido quase 23 bilhões de litros apenas para resfriar suas unidades.

No sistema de resfriamento evaporativo, a água fria percorre tubulações, absorve o calor dos servidores e evapora, sendo liberada na atmosfera. Isso exige reposição constante de água fria.

Já nos sistemas de circuito fechado, a água aquecida é resfriada por chillers (equipamentos de refrigeração) a ar e recirculada. Nesse modelo, o consumo é menor, mas o gasto de energia é muito maior. Os números comparativos entre sistemas – que certamente variam de instalação para instalação – não são divulgados.

data centers e a relação com o consumo de energia
Crédito: Just Super/ Getty Images

O ponto-chave é entender o que significa água “consumida” – ou seja, aquela retirada do abastecimento local e perdida no processo (como na evaporação), sem retorno à fonte.

Nossa investigação começou por dados de sistemas municipais de abastecimento, mas o acesso foi difícil e, em alguns casos, negado por questões de confidencialidade. Assim, recorremos também aos relatórios públicos das empresas.

Focamos em seis gigantes do setor: Amazon, Google, Microsoft, Meta, Digital Realty e Equinix.

Os resultados mostraram grande variação tanto no volume consumido quanto no nível de detalhe das informações fornecidas. Ainda assim, entre as empresas que divulgam números, a tendência geral é de crescimento do consumo direto de água ano após ano.

O CASO DO GOOGLE E DA META

Das companhias analisadas, Google e Meta estão entre as que apresentam relatórios mais detalhados.

Em 2023, a Meta consumiu 3,1 bilhões de litros de água globalmente, sendo 95% (2,9 bilhões) destinados a data centers. Já o Google registrou 24,2 bilhões de litros, dos quais 95% (23,1 bilhões) foram usados em seus centros de dados.

As diferenças entre unidades chamam atenção. Em 2024, um data center do Google em Pflugerville, no Texas, consumiu apenas 38 mil litros – o equivalente a dois meses de consumo de uma residência típica. Já em Storey County, Nevada, um centro similar consumiu 5,7 milhões de litros, também com resfriamento a ar.

a tendência geral é de crescimento do consumo direto de água ano após ano.

O problema é que a empresa não relaciona esses números ao tamanho das instalações, à tecnologia usada nem ao consumo indireto de energia. O resultado são dados parciais, que não mostram o quadro completo.

Com a corrida da IA, os data centers devem continuar se multiplicando. Mas, sem um método claro e padronizado de rastrear o consumo de água, governos e comunidades terão de tomar decisões sobre localização, regulação e sustentabilidade sem saber ao certo o impacto que esses “gigantescos prédios sedentos” terão sobre seus recursos hídricos e o meio ambiente.

Este artigo foi republicado do “The Conversation” sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE A AUTORA

Peyton McCauley é especialista em políticas para o setor hídrico e Melissa Scanlan é professora e diretora do Centro de Política Hídri... saiba mais